Remexido no Auditório
João Lima, João Dacosta e Carlos Ribeiro são os Remexido. Uma festa em palco. A prova? É esperar, ver e ouvir o concerto marcado para a noite de 5 de Maio no Auditório da Gandaia, na Costa da Caparica.
Um dia João Lima (que fora guitarrista dos Oquestrada e compositor) encontra-se com João Dacosta (músico, actor e compositor) e os dois começaram por criar um universo cinematográfico e teatral capaz de ganhar forma em obra inspirada no conceito de viagem. Depois chegou a percussão, isto é, o multi-instrumentista Carlos Ribeiro. E com ele encontrou-se a base da banda, pronta para incluir no seu universo musical a nostalgia, a sedução e a dança. Reúnem, no disco que editaram, e mais ainda nos seus espectáculos, estilos tão diferentes como o fado, o tango ou o rock. Mas não esquecem o som do Mediterrâneo.
É disso tudo que fala João Lima nesta entrevista em exclusivo ao Notícias da Gandaia.
Antes dos Remexido já tinhas uma carreira. Podes falar um pouco sobre esse teu passado musical?
Todos nós em Remexido tínhamos e ainda temos outros projectos em várias áreas. No meu caso, tenho percorrido palcos um pouco por todo o lado em Portugal e lá fora com Oquestrada, mas também com outros artistas. Nesse aspecto, os músicos são uns privilegiados uma vez que no nosso trabalho temos também o prazer de um convívio muito intenso, principalmente na estrada. Com Remexido, prefiro considerar-nos como uma família, uma vez que os laços que nos unem são fortes e as nossas diferenças fortalecem a singularidade do projecto. Todos os músicos de Remexido possuem uma bagagem de outras experiências extremamente enriquecedoras, que a meu ver, constituem a essência criativa e o âmago da nossa ligação. Somos plurais, mas temos a noção de que a diversidade das nossas origens é algo que nos torna singulares.
Em que altura, e porquê, pensaste que era altura de mudar?
Não considero Remexido como uma mudança ou ruptura. Prefiro sentir que este trio procura trazer uma certa frescura ao panorama musical português. Acredito que estamos a abrir janelas e a “arejar a casa”, pensamos por nós próprios, não temos ilusões quanto a estilos ou formas de nos projectarmos para o nosso público, temos a convicção de que a nossa música se destina a ele, dando-nos um prazer imenso partilhar o nosso mundo sem limites. Há muito tempo que tinha o desafio de cantar e, em simultâneo, tocar guitarra portuguesa, encontrar motivos para expressar a voz de um povo que não gosta apenas de fado, que se encontra noutras “esquinas” para além dos festivais e da televisão. Portugal mudou muito mais do que por vezes pensamos e tal facto não tem sido devidamente acompanhado pelas pessoas que decidem a indústria musical, pois as fórmulas anteriores parecem esgotadas. Respondendo directamente à questão, é altura de mudar mentalidades, de seguir a nossa própria cabeça e evitar fórmulas fáceis.
Como é que essa mudança se traduziu em termos estéticos e criativos?
O facto de sermos um trio obrigou-nos a ser absolutamente criteriosos nas nossas escolhas estéticas, nas composições, na produção e até na linguagem que utilizamos. Por vezes temos dificuldade em enquadrarmo-nos num único estilo. Somos quase obrigados a inventar palavras para explicar o que criamos. Isso representa um grande desafio. As pessoas procuram numa música algo que seja claro e definido, que as preencha, que não seja um mistério ou um enigma. O nosso trabalho consiste em estabelecer uma ligação absolutamente evidente com elas, sem truques nem fintas. Por outro lado, sinto-me muito mais maduro. Os 40 bateram e ainda bem.
Qual foi a contribuição dos músicos que, digamos, recrutaste para a banda na definição desta identidade musical? Ou os Remexido são um projecto pessoal?
Toda a família Remexido conta já com bastante experiência e um percurso mais que suficiente para se afirmar como tal. Esta partilha de experiências, de vidas, de visões, tem-nos ensinado que para se conceber um determinado universo musical, é preciso criar laços sólidos e ir à luta. Isso é fundamental. Assumimos ser uma caldeirada nada “gourmet”, como tanto está na moda agora. Preferimos o petisco, desejamos a simplicidade que nos caracteriza enquanto povo.
Ouvir a música que fazem é a prova de que é possível. Mas, na prática, como é que se consegue harmonizar estilos tão diferentes numa canção?
Música é música. É isso mesmo. Os géneros, estilos, linguagem, líricas podem variar, mas na verdade o que as pessoas procuram é uma espécie de “banda sonora” para as suas vidas. Por vezes, apetece-nos expressar inquietude, outras vezes amor, paixão, outras vezes a procura livre do argumento. O nosso repertório tem todos esses ingredientes e fazemos questão de saboreá-lo antes de partilhar com o público.
A fotografia dos Remexido no Cais do Ginjal, que é uma espécie de retrato oficial da banda, parece implicar simbolicamente a afirmação de uma ligação a Cacilhas, a Almada, à Margem Sul. Como quem diz: nós somos deste lado, não somos de Lisboa, somos gente diferente. Há alguma coisa de verdade nisto, ou estou só a especular sem razão?
A nossa identidade é almadense, fazemos questão de o afirmar. No entanto, posso estabelecer um paralelo com o estaleiro da Lisnave, com o qual eu cresci e vivi a sua imponente presença. A ele chegavam os maiores navios, dele saíam de cara lavada depois de imenso trabalho. Iam para todo o mundo, vinham de todo o lado. Isso é Remexido. Quanto a sermos gente diferente, preferimos considerar-nos “Gente”, que como todos tem de pagar portagem, suportar filas intermináveis para ir trabalhar, que tem barco apenas até uma certa hora, mas que possui um extraordinário brio e orgulho em residir nesta margem por vezes ignorada. A perspectiva que temos de Lisboa vista do Ginjal é fantástica e bastante inspiradora. Preferimos ver deste lado.
O vosso álbum já foi gravado e editado há algum tempo, rodado em concertos… A tua relação com as canções ainda é a mesma? Nos espectáculos sentes necessidade de mudar alguma coisa que gostarias, na altura da gravação, de ter feito de outra maneira?
O nosso álbum tem alguma coisa de filigrana. Foi minuciosamente concebido, sem qualquer tipo de apoio institucional. O nosso produtor, Jorge Lopes Fernandes (Soundscapes), foi delineando etapas e fechando os vários processos e, em simultâneo, fomos rodando os temas ao vivo. O “feedback” do público foi bastante enriquecedor para fechar as canções em Estúdio. Agira, se gostaríamos de mudar algo…Sempre!
Já agora, como imaginas o próximo álbum?
Creio que será um álbum mais estilizado. Possivelmente abarcará sonoridades um pouco diferentes, mas enfim…o melhor é ir já trabalhando para que tal aconteça.