O Medo
Sinto-me encurralado, com os meus caminhos limitados, com os acontecimentos que decorrem. É estranho que, com tanto tempo livre, pouco me apetece fazer. Preocupado com o que se passa no país e no mundo, me leve a esta letargia, a esta vontade de estar quieto. O mundo parece que caiu na minha cabeça.
Na rua, o silêncio tem um ruído ensurdecedor, insuportável. Com oitenta anos de vida é a primeira vez que acontece comigo uma situação destas. Há que respeitar as regras decretadas para evitar males maiores.
A mim o medo da doença não me aflige, nem o medo de morrer. Nunca senti esse medo. Sempre encarei, sem sentir medos, as situações mais complicadas da minha vida, mas certamente há muitos que vivem toda a sua existência cheia deles. Temos que os entender e aceitá-los.
Olho para o céu, para o sol a brilhar, e sei que tudo vai voltar ao normal. É depois tempo de pensar que, sem alaridos, morrem todos os dias milhares de crianças por esse mundo fora, com fome, com sede, abandonadas aos seus tristes destinos, e ninguém se manifesta, só esse silêncio ensurdecedor e insuportável que agora escutei ao pisar a rua. Oxalá não surjam mais gripes, mais epidemias, mais doenças inesperadas, mas que se lembrem sempre dos que, em silêncio, sofrem sem ninguém que fale neles. Não tenham MEDO de falar.
António José Zuzarte, Costa da Caparica, 20 de Março de 2020.