INTERNET LIVRE E GRATUITA PARA TODOS

Não tenho o hábito de ler programas de Governo, embora seja leitora costumeira de ficção. Digo-vos que o que lá está escrito em letras de ouro sobre azul é de uma beleza e de uma dignidade que estarrecem e comovem. É com lágrimas nos olhos que vejo lá pintado um leque de intenções nobres, uma panóplia de estratégias que prioratizam, que efectivizam e implementanzam os mais altos valores humanos. Irra, sim senhor, aquilo é que é um Estado. Ao serviço dos cidadãos, etc. etc. Nem sequer sabia que havia uma ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública, mas há. Depois lembrei-me que o primeiro-ministro andou a distribuir outra vez computadores e lá está, no programa, dito pelo próprio em várias ocasiões: a transição para “o digital” é um imperativo categórico, a “protecção social na transição para a sociedade digital” outro imperativo, e isto “sem deixar ninguém para trás”. Todo e mundo e ninguém. É muita areia para uma camioneta só.

No lançamento de qualquer negócio, o inventor de qualquer coisa em que a gente possa gastar o nosso dinheiro, pergunta a si próprio: como é que eu ganho mais com isto? É vendendo o produto caro e fica vendido ou vendendo o produto barato e depois esmifrando o cliente na manutenção e nos consumíveis? Por outras palavras, o telemóvel é barato e as chamadas são caras, a impressora é baratíssima e os cartuchos de tinta estão pela hora da morte, o computador é barato, mas a internet é cara e má. Ou serve para fazer paciências e tudo o que não precise de internet, ou trata-se de uma perversidade sem nome. Dar computadores sem pagar a rede é a mesma coisa que oferecer uma caninha de pesca e mandar o tipo pescar para o meio dos tubarões num bote a remos – a meter água. Não conheço quem não se queixe da qualidade da sua rede. Pode haver. Mas eu não conheço. E isto para não falar de altas moscambilhas dos mamutes do ramo das telecomunicações, das Vodafones, das Meos, das Noses. Conheço, sim, gente que ia tendo ataques cardíacos em discussões ao telefone com inocentes funcionários desses esquemas de esbulhanço, gente que se atira aos gasganetes dos marqueteiros e inocentes funcionários em desespero de causa. A rede não funciona, a rede cai, a rede desaparece, a rede nunca tem a velocidade que deve ter. Eles depois dizem, quando nós telefonamos pela quinquagésima vez: “não é 50 Mbps é ATÉ 50 Mbps”. Ah, é “até”, pago 35 euros e até posso ter a internet morta à chegada. Pagamos todos os meses para ter um serviço que às vezes dá outras vezes não e não se pode sair, fica-se preso lá dentro pelo menos dois anos. Com serviço, sem serviço, é o mesmo, paga e pronto. Toda a gente sabe isto. Mas resignamo-nos porque num mercado liberalizado gerido pelo princípio da concorrência não só não há princípios como não há concorrência. É tudo mais ou menos igual, nos preços e nos serviços, e ninguém nos acode.

Agora com esta nova oportunidade que a pandemia ofereceu ao Governo para avançar com “o digital”, aquilo que era óbvio torna-se doloroso. A desigualdade social, a desvalorização do trabalho, a falta de protecção. Quem trabalha em casa, no famoso teletrabalho, em princípio tem de pagar as despesas do trabalho e há aí muita conferência em zoom e muitas aulas em zoom que estão sempre a cair pela lentidão da rede. Se o marido está a trabalhar no computador, a senhora está em teletrabalho e os meninos na telescola, não há rede para todos, é preciso aumentar a capacidade, quem paga é o trabalhador. Ou então temos as conferências com quadradinhos de pessoas “freezadas” a fazerem boquinhas. Não é má ideia, por isso, que o que está em ideal dourado no programa do Governo comece a ser prioriticizado e efectivacionado e implementaricizado e o cidadão, em teletrabalho ou em teledesemprego, exija a Internet Livre e Gratuita para Todos e em Todo o Lado (nas casas particulares, como nos parques, nas praças, nas praias, nos transportes, etc.). Mas aqui a palavra “gratuito” não tem o sentido que lhe dão as companhias de telecomunicações actuais. “Gratuito” para, por exemplo, a NOS, significa que se paga a factura do pacote e depois se tem acesso “gratuito” aos serviços, como por exemplo, hotspots. Para a Vodafone, são “gratuitas” as chamadas dentro do pacote pago. Ou seja, para as companhias “gratuito” é o que foi pago e está dentro do serviço que se pagou. O que é, realmente, uma extensão curiosa do sentido. “Gratuito”, em Português e como não me canso de explicar, quer dizer que “não se paga”. É grátis. É à borliú. É de graça. É dado. Não há troca de dinheiros entre parceiros, não há contrapartidas. Não é grátis o wifi que implica ter de gramar anúncios. Não é de graça um serviço que se pagou. É mesmo o contrário de grátis. Mas tenho a convicção de que, no negócio que uma dessas indiferentes companhias de telecomunicações vier a fazer com o Estado ou com os municípios, hão-de encontrar um esquema para nos fazerem pagar as redes grátis. É cá um palpite que eu tenho. Luísa Costa Gomes

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