Aquela Oliveira…
Numa rotunda do Alto da Caparica, no antigo lugar da Bela Vista e da Ilha, perto do Pingo Doce, há uma oliveira, oliveira centenária, que ali plantaram para embelezar o local. Em seu redor circula o trânsito, não muito intenso, que dá para quem passa a poder admirar. Está rodeada de pedras de granito, que podem servir de bancos, e dali pode-se olhar o horizonte… as praias de S. João, com o seu mar azul e as ondas de espuma que se vêm espreguiçar nas suas areias brancas… mais ao fundo, onde o Tejo abraça o Atlântico, vemos o Farol do Bugio e , em dias de céu límpido, mais á direita avistamos a Serra de Sintra com o seu Castelo dos Mouros lá no alto… Tudo isto, esta beleza que a Natureza nos oferece, pode ela, oliveira já tão velha, admirar e comentaria, se falasse… mas ela não fala e não nos sabe dizer donde veio, onde a arrancaram para a trazerem para ali… vamos pensar que veio do longínquo Alentejo, lá das margens do Guadiana, onde as suas águas cobrem agora os campos onde ela cresceu.
Que recordações terá ela de tantas dezenas de anos que por lá viveu. Lembranças de dias tórridos, de noites frias, quando as geadas cobriam os campos de branco, mas daqueles silêncios magníficos que só lá poderia ter… Quantos Outonos, carregada de azeitonas pretas, era coberta por bandos de estorninhos e de tordos onde as suas chilreadas não a deixavam descansar… mas vinham depois aqueles ranchos de homens e mulheres varejá-la com varas longas para derrubar os seus frutos que de seguida iam para o lagar e, já esmagados e espremidos, soltavam aquele azeite, da cor do ouro, que ia para a tigela grande juntar-se aos alhos pisados com um pouco de sal, coentros ou poejos, e água a ferver por cima… depois era só juntar pão alentejano, do mais duro, e assim se fazia a excelente açorda alentejana… o que tu sofrias para alimentar tantos e tantas que, neste imenso país do Sul, matavam a fome com esta delícia dos deuses que elas inventaram… Aquelas azeitonas negras, negras negras, como os olhos, também depois de doces, eram o conduto com um bocado de pão do trigo que, este Alentejo dos meus amores produzia… digo produzia, porque hoje em poucos campos se vê crescer.
Vamos recordar ainda as Primaveras e os Verões e os rebanhos de ovelhas a pastar à tua volta e o pastor, na hora da sesta, a dormir à tua sombra, ou um casal de namorados fazendo juras de amor abrigados debaixo da tua copa… essa copa verde que a passarada procurava para fazer os seus ninhos e escutar ao longe os cantares dum Povo que, enquanto trabalhava, na monda ou na ceifa, cantava, cantava tanto, que o seu cantar é hoje Património Imaterial da Humanidade…
Minha amiga oliveira que agora vês o Mar, como tantos alentejanos que deixaram as suas raízes e vieram para estas paragens, tu tens na tua longa Vida os segredos de muitas Vidas.
Ora cá está um belo texto todo carregado de poesia. Ao que a imaginação nos pode levar! Parabens!
Fernando