A Arte do Tesouras

A arte de Tesouras na mão ou A arte nas mãos de Tesouras

As barbearias voltaram a estar na moda, é um facto. Há cada vez uma maior preocupação na forma como se apresentam ao público e existe uma clara tendência para se voltarem para a imagem de outros tempos, o que agora consideramos vintage.

A Barbearia Tradicional Soares, com marca registrada, na Costa da Caparica, não é exceção. No entanto, o tradicional do nome, não é só para as aparências, está-lhe mesmo no ADN.

A arte de barbeiro já é tradição na família Soares. E é essa arte que lhe vem de herança, o espaço onde a pratica e quem o procura, que quisemos aprofundar numa conversa com Rui Soares, conhecido por Tesouras.

A arte de barbear

Com 25 anos de casa, Rui trabalha nesta barbearia, desde 1992. O logótipo data de 1988, porque esta antes pertencia ao seu pai, Francisco Soares, com quem Rui aprendeu o ofício. O “alentejano barbeiro”, como é conhecido na Costa, conta com 73 anos e 60 de profissão. Também o seu pai, avô de Rui, era barbeiro e alfaiate, no Alentejo. O seu irmão, que já aprendeu a profissão mais tarde, trabalha na outra barbearia, na Trafaria. E embora tenha esta bagagem geracional, Rui ressalva que “esta é uma profissão em que estamos sempre a aprender”.

Na sua opinião, “os barbeiros de hoje não aprendem a arte por completo, porque eles estão a ser fabricados em 6, 12 meses. Um barbeiro para começar a trabalhar como deve ser são 3 anos de aprendizagem. Depois lançam-nos para a rua e nós apanhamos aqui com cada trabalho mal feito.” A prática é a “escola” dos que por aqui passaram, “todas as pessoas que trabalham comigo e com o meu pai, aprenderam a arte de barbeiro antigo aqui na barbearia”.

…  e a psicologia do barbeiro

“O que é que mais me apaixona nesta profissão? Tudo! Porque nós lidamos com todo o tipo de pessoas, temos clientes que vão desde juízes a pescadores, e não estou aqui a classificar as pessoas porque importantes são todos para nós. Todo o cliente que vem, seja gente da terra, ou o sr. Dr. ou o sr. Engenheiro, os empresários aqui da Costa, são todos tratados da mesma forma”, defende Rui, que consegue também conquistar “famílias inteiras em que os homens vêm todos aqui cortar o cabelo” assim como a miudagem. “É preciso muitos anos de experiência para cortar o cabelo às crianças porque elas mexem-se muito.”

“E depois é a conversa do barbeiro, eu tenho ali uma televisão mas eu sou contra, porque eu acho que o barbeiro é o local onde o homem se vai confessar, fazemos essa parte de psicologia com o cliente. Estamos aqui para ouvir o cliente, para dar conselhos, há pessoas que vêm pedir ajuda”. Importante referir que o facto de Rui já aqui estar há muitos anos contribui para esta proximidade.

Do público mais recente, fazem parte os turistas, “é raro o dia em que não entra cá algum”. Confirma-se esta afluência, minutos antes a conversa fora interrompida por mais um que queria cortar o cabelo. Com a evolução que o turismo tem vindo a ter, Rui adapta-se às circunstâncias, “os turistas ficam impressionados com as nossas praias na Costa, e eu preocupei-me com a visibilidade da barbearia na pesquisa do Google.”

Muito bem situada e remodelada em Julho deste ano, com o aumento de cerca de 40 m2, a Barbearia Tradicional é um espaço, com muita luz natural, onde a modernidade se alia à tradição, em pequenos elementos que se destacam. Sandra Soares, mulher de Rui, esteve encarregue da decoração, e nem um bar ficou a faltar. Bar este, que funciona também como um espaço de convívio, onde os amigos de Rui aparecem muitas vezes. “Eu sei que trabalho é trabalho e conhaque é conhaque mas eu muitas vezes misturo as coisas.”

A Barberia Tradicional conta neste momento com cinco funcionários, a quem Rui considera como família e não deixa de reconhecer o valor da equipa que tem ao seu lado.

“A concorrência como está a aumentar a uma velocidade astronómica, trabalha com preços mais baratos que os meus, e por isso temos de ser competitivos”. No entanto, Rui salvaguarda que “se a pessoa tiver dificuldades, eu corto o cabelo de borla, não tenho problema nenhum com isso, ou até pessoas que tenham mobilidade reduzida nós oferecemos o corte.”

Este ponto é-lhe particularmente sensível, porque tem um filho de 16 anos, João, que teve uma paralisia cerebral à nascença, que lhe afetou os membros inferiores. Para o hospital Garcia da Orta, veio um médico da Austrália, com a ajuda da Calouste Gulbenkian, com o propósito de tratar de João e de outras crianças na mesma situação.  “É isso que eu tenho aprendido ao longo da minha vida, eu ponho os valores humanos acima do dinheiro, o dinheiro é só uma necessidade que infelizmente nós temos de ter. Quando vejo pessoas que não têm posses custa-me bastante”.

Rui que tem ainda mais um casal, Mariana, de 20 anos e Diogo, de 6, reconhece que “encontrámos as pessoas certas no caminho e os médicos foram fundamentais”. Esta odisseia em busca em tratamento chegou a Cuba, onde João, aos 6 anos, esteve internado durante 2 meses, a fazer muitas horas de fisioterapia para trabalhar a motricidade.

Ainda assim o barbeiro lembra que “embora em Portugal estejam a olhar mais para as pessoas com mobilidade reduzida, há sempre pessoas que não têm respeito.” Sandra, a mulher, que esteve largos anos fora do mercado, para dar assistência ao filho de ambos, está agora encarregue do bar da barbearia e ajuda no que mais for preciso.

 “Barco parado não faz viagem”

“Barco parado não faz viagem, tenho esse lema”. Durante 15 anos, Rui trabalhou dia e noite. Para além de barbeiro, foi barman e chegou a ter inclusive, com dois amigos, um conhecido bar da Costa, chamado Remédio Santo. Ao fim de cerca de três anos vendeu a sua parte, e mais tarde, foi proprietário de um bar na praia da Cornélia. “Depois deixei de ser patrão na noite, cansei-me um pouco e trabalhei noutras casas. A noite para mim agora só como diversão” Reconhece, apesar de tudo que esta o ajudou a criar algum nome”, que acabou por ajudar a divulgar a barbearia.

Com o coração à Costa

Em 2013, Rui entrou numa lista independente para a Junta de Freguesia da Costa da Caparica. “Nós quando temos uma porta aberta não podemos ter cor política e eu entrei porque vieram-me convidar”, porque era o Tesouras, tinha visibilidade na terra e muita clientela a quem chegar.

Atualmente está desiludido com a política e não pensa repetir a experiência. “Em vez dos políticos arranjarem formas de combater e prevenir os incêndios, fazem aproveitamento político. E há tanta coisa que se pode fazer, temos tantas pessoas a receber rendimentos mínimos, não discordo, agora se fosse eu que mandasse, essas pessoas com capacidades iam, 4 horas por dia, 4 dias da semana, fazer trabalho comunitário, ajudar os velhotes, há sargetas, há matas para limpar. Há tanta coisa que pode ser feita e não é feita porquê?”

Rui acha que a recente viragem partidária, agora com a Câmara de Almada e Junta de Freguesia, ambas PS, pode trazer vantagens para um melhor entendimento. Dentro das limitações que uma Junta tem, considera que o presidente José Ricardo fez um bom trabalho.

“A CMA esquece-se um bocado da Costa da Caparica, no entanto esta dá muito dinheiro à Câmara, tanto que eles não põe parquímetros na Trafaria, na Charneca, nem no Monte da Caparica, põe aqui na Costa. Esse dinheiro devia ser empregue para melhorias da terra.” Lembra, por exemplo, que a Costa é a única freguesia no concelho de Almada que não tem uma piscina pública.

No entanto mantém-se otimista, “acho que devia ser feito mais, vamos ver se é desta, estou com esperança que sim.”

Natural da Charneca, Rui vive com a família na Costa da Caparica. “Já vivi em Almada, na Charneca, na Marisol, mas “não troco a Costa da Caparica por nada. A Costa tem tudo, é fabulosa, adoro morar aqui!”.  É uma boa notícia para quem não entrega as suas cabeças a mãos alheias porque o que é (Barbearia) Tradicional é bom!

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