A Estratégia da Avestruz
A Costa da Caparica e a Trafaria parecem ser as únicas freguesias do Concelho de Almada com os denominados “bairros de lata”, ou seja, bairros de habitações precárias e ilegais. Pior, os da Costa da Caparica crescem de dia para dia e ninguém fala nisso.
É a estratégia da avestruz, que enfia a cabeça num buraco para não ver o que não gosta ou sente como perigoso.
Até agora temos assistido a dois grupos de opiniões mais ou menos alinhadas com os seguintes traços fortes: Por um lado, os defensores da lei, da ordem marcada no traço dos planos de ordenamento e de urbanização e, por outro, os defensores dos direitos à habitação, defendendo que os mais pobres e desprotegidos também têm direito a um teto.
É difícil escolher, para não dizer, impossível. Mais, não sei se deveremos escolher, uma vez que não se deveria colocar uma ordem de ideias em oposição à outra, ou seja, todos deveriam ter esses direitos e na conformidade da lei e do planeamento. O primeiro problema é, portanto, colocar estas questões em oposição.
Depois, na argumentação de cada um destes lados, há sempre generalizações que provavelmente sao indevidas. Por exemplo, para aqueles que defendem que estas zonas ilegais devem ser eliminadas a camartelo, logo apresentam o argumento de que “muitos até têm casas noutro local, que arrendam”, para acrescentar de imediato que “essas casas já lhe foram atribuídas e fomos nós que as pagámos, mas agora querem mais”. Isto são argumentos, no mínimo curiosos. Será possível que o sistema esteja tão mal gerido que possa não “ver” que uma mesma família tem mais do que uma habitação social atribuída? Tendo em conta as imperfeições que existem, se calhar é mesmo possível. Porém,isto não significa que acontece no caso concreto a que nos referimos.
Um aspeto que normalmente se ilude quando se fala deste grupo é que eles estão,também, a advogar uma abordagem equalitária em que todos os cidadãos são iguais em face da lei, sendo todos obrigados a respeitá-la.
Por outro lado, os defensores de que as pessoas têm de ter o mínimo garantido, não sentem que precisam de encontrar justificações. Trata-se de um direito fundamental, humano, e pronto. Mas não é bem assim que se pode defender este ponto de vista. Primeiro, porque estas habitações não são dignas para quem as ocupa e deveríamos encontrar reais soluções. Segundo, porque se não quebrarmos este ciclo, então é que estaremos a condenar estas pessoas a uma situação discriminatória, a viver num condicionalismo que só traz mais problemas, em proporcionar as condições mínimas aos seus filhos, etc. Finalmente, mantém-se a estranheza inicial, porque só neste extremo ocidental do Concelho existe este fenómeno?
Impõe-se a questão, será que já fizemos tudo o que podiamos sobre esta situação? Claro que não.
Evidentemente, os cidadãos que, especialmente agora, se sentem pressionados pelas regras e taxas a que tentam desesperadamente obedecer, não podem deixar de sentir um ressentimento especial sobre aquela espécie de “bolha” no tecido social e legal, na exceção que constitui aos olhos de fiscais e polícias. Isto é um claro problema para a igualdade. Pior, um problema que só se pode agravar para ambos os lados da equação. Todos se sentirão discriminados
Esse ressentimento ainda piora substancialmente quando se reconhece que o problema devia ter ficado resolvido quando a Sociedade CostaPolis desmantelou o bairro ilegal que se estabelecera onde hoje é o Parque Urbano, tendo a Câmara realojado os seus habitantes nos alojamentos sociais municipais. O que falhou para que de imediato se fosse consituindo uma nova zona nas Terras da Costa, que agora já quase chega à IC 20?
Não me parece muito interessante andar em busca dos culpados, pelo menos, tão importante como andar à procura das soluções. Porém, é evidente que não adianta fingir que não há problema, que não existem estas realidades. É fundamental enfrentá-las, com humanidade, claro, pois é nesse tipo de sociedade que a esmagadora maioria dos portugueses querem viver. Mas resolvendo e encontrando soluções que dignifiquem todos, não só aqueles que lutam com as dificuldades que os levam a viver nessas condições, mas que também nos dignifiquem a nós todos, membros de uma comunidade que consegue encontrar soluções dignas para todos.
Fingir que não existe este problema é que não pode deixar de maus resultados em inúmeros domínios, desde o social ao económico..
Excelente artigo a solicitar profunda reflexão de todos nós… uma ideia para um debate aberto na Gandaia, com os autarcas entretanto empossados (os que se dispuserem…) vale a pena lançar a ideia numa próxima reunião aberta da Gandaia.