A Reunião

À Ana

 

Era uma reunião, digamos, de solidariedade.

No salão de uma igreja, nos subúrbios do Rio de Janeiro, homens e mulheres bem intencionados da classe média carioca – realço, classe média, porque esta classe era vista, por si própria e pela esmagadora maioria da população brasileira, como uma classe rica, culta e dominante – promoveram uma reunião tendo em vista minorar os sofrimentos e as agruras do povão daquela co­mu­nidade carente.

A forma de atingir esse objectivo era o leitmotif daquele encontro.

O plenário era composto, de acordo com os padrões, pelos oradores sentados a uma mesa colocada no púlpito e pela assem­bleia constituída pela massa anónima de gente carenciada, anal­fabeta, pobre.

Um a um, os oradores foram apresentando as suas sugestões, animados pelo seu fervor messiânico e caritativo de ajudar os desvalidos. As ideias eram variadas mas todas convergiam, sem excepção, para a distribuição mensal de uma cesta básica composta por arroz, feijão, óleo alimentar, macarrão, farinha e açúcar; a entre­ga esporádica de conjuntos de roupa: calção, camiseta e chinelos “havaianos”; a distribuição diária de um litro de leite para as famílias com crianças pequenas.

A plateia escutava atentamente, com os pescoços esticados e os olhos fixos na mesa.

De quando em quando, os seus olhos iluminavam-se, comovi­dos. Por muito pouco que lhes coubesse, sempre garantia algum alimento para si e para os filhos durante uns dias e o espectro negro da fome era afastado temporariamente. Nesses momentos, ouvia-se um murmúrio de aprovação por parte daquela gente sofrida.

Finalmente, terminadas as apresentações das medidas e, pers­crutando os rostos esperançados da miséria, os oradores quise­ram saber a opinião dos presentes sobre as suas ideias.

Durante uns momentos o silêncio envergonhado foi a res­posta, e assim se manteve, tornando-se paulatinamente pesado.

Por fim, um homem, de rosto enrugado pela idade e pela vida, levantou um braço descarnado e pediu a palavra.

Todos os olhares se viraram, em simultâneo, para a última fila e viram a figura daquele corpo esquálido, de cor indefinida, de cabelos e barbas brancas erguer-se.

Falo só por mim – disse – e a sua voz era rouca, profunda e pausada. Escutei com atenção o que os senhores aí falou p’ra nóis e agradeço.

Mais vocêis isqueceram di falá duas coisa:

Uma, é que nóis só sai desta miséria se tiver educação. A gente somos analfabeto e não há escola, nim p’ros nossos fios. Vocêis aí num falaram em dar escola.

A outra, é que a gente precisamos de comida sim, nossos fios acordam todos os dias cum fome, mas a gente não precisamos caridade.

O que nóis quer é trabalho p’ra ganhar o pão honestamente!

O silêncio incómodo voltou a fazer-se ouvir. Era o silêncio de aquiescência da plateia e era o silêncio do espanto e da vergonha da mesa.

Entretanto, a penumbra do ambiente, subitamente, ganhou uma luminosidade invulgar. Era uma luz resplandecente que provinha da última fila da plateia.

Rodeava a cabeça branca daquele velho, como se fosse um halo de dignidade e de consciência.

 

Reinaldo Ribeiro,  11/05/2010

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