Amélia, a Minha Ama

AMÉLIA, A MINHA AMA…

«Trago d’amargura o coração desfeito…/Vê que fundas máguas no embaciado olhar! / Nunca eu saira do meu ninho estreito!… /Minha velha ama que me deste o peito / Canta-me cantigas para eu embalar!…» Guerra Junqueiro.

Foi em fins de 1939, na rua do Monte do Cimo d’Aldeia, morada dos meus avós maternos, que esta foto foi tirada…Era eu ainda bébé e a Amélia, a minha ama de leite, segurava-me montado na velha “Malhadinha”… A segurar a garrana, que ainda montei nos meus verdes anos, está o António Branco, na altura “paquete” lá no Monte, e que a morte já levou.

Recuar no tempo, recordar o passado, com esta foto já tão antiga, que fui descobrir no baú das recordações, foi o que me levou a escrever esta pequena crónica. Pedi ajuda para identificar o jovem que segurava a calma garrana….e foi a minha tia Zéfinha, já a passar os 90 anos, mas com uma óptima memória, que o identificou. De toda a minha familia mais próxima, só resta ele viva para responder às minhas perguntas do passado… antes dela sou eu o mais antigo!!!

Muitos anos passados, após esta foto e de eu ter crescido, são e saudável, e me ter alimentado com o leite da Amélia, que veio resolver uma carência que minha Mãe teve neste primeiro filho, e que nesses tempos era difícil de resolver…A guerra assolava a Europa pela segunda vez, encontrei de novo a Amélia, a minha Ama… procurei-a em Alpalhão, a terra onde nasceu e sempre viveu, e pude abraça-la e beijá-la… já tão velhinha. O meu irmão de leite, o seu filho Zé, estava nessa altura emigrante na Europa dos ricos, dos novos ricos, do pós-guerra. Pareceu-me tão pequenina, curvada, com os seus quase 80 anos, ela que na foto é uma mulher alta e forte. Passado pouco tempo de a ter visitado, fui a Alpalhão, lá no cimeiro concelho de Nisa, deste nosso Alentejo, para acompanhar a sua última viagem para o cemitério local. Aí, nessa tarde de dor, conheci o Zé, o meu irmão de leite.

Como escreveu Romana Petri in “Regresso à Ilha”: «Ás vezes é assim, uma pessoa pede a outra que lhe conte a vida para perceber mais da sua…Qualquer um de nós pode sonhar um dia construir algo que se assemelhe ao sonho. É a Vida, que nos construiu como somos, que devemos aceitar por aquilo que foi.»

Eu escrevo esta crónica para não perder-mos no tempo memórias que gosto que fiquem presentes, que marcaram o meu passado, e que quero deixar para que os vindouros, talvez o meu bisneto Vasco, possa um dia ler…

António José Zuzarte, Costa da Caparica, 21 de Junho de 2015.

One thought on “Amélia, a Minha Ama

  • 15 de Dezembro, 2018 at 15:04
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    Que bela viagem ao passado, amigo Zuzarte!
    Afinal, é o passado que nos alimenta o presente.

    Reinaldo

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