Angola – E os Anos Passaram…
Durante o ano de 75 em Angola, viveram-se momentos únicos na vida do território que, em breve, se iria tornar um país independente.
Na heterogeneidade da sua população formada por pretos, brancos, mulatos e representantes do sistema colonial, incluindo-se neste grupo também alguns elementos das Forças Armadas portuguesas, descobriam-se interesses diversos, quase todos, calcados num desejo comum: viver numa Angola verdadeiramente livre e independente.
Assim, aqueles que, de alguma forma, lutaram ou apoiaram esse desejo de liberdade, imaginaram o futuro sem as peias do sistema colonial castrador, queriam-se livres para poderem trilhar o seu próprio caminho, queriam respirar a paz nunca consentida, sonhavam ver os filhos crescer dentro das tradições ancestrais e alimentados pelos valores culturais por tanto tempo escondidos nos baús da humilhação, em suma, queriam apenas ser angolanos. Era um sonho belo, acalentado pelos sons inconfundíveis das noites da savana, que inundava de fantasia todos os que lá viviam e que, independentemente, da cor da sua pele sentiam o amor e a ternura que a Mãe Angola lhes transmitia.
Ainda antes da Independência evidenciavam-se já os maus presságios de que o colonialismo não acabaria com a simples erradicação dos colonos. A pecha desse sistema perverso, com todas as suas arbitrariedades, as suas deformações e a sua ambiguidade, tinha deixado raízes que se infiltraram, insidiosamente, ao longo dos tempos, no espírito dos próprios colonizados.
E a guerra entre irmãos reacendeu-se. Chamaram-lhe então de tribalismo para tentar disfarçar, mal, os interesses económicos dos países desenvolvidos que estavam por detrás de cada movimento nacionalista de libertação. Essa foi uma das raízes deixada pelo colonialismo alienígena: a da ganância, da fome de poder, do aviltamento dos princípios de equidade que perduraram, em certas regiões de África, mesmo depois da implantação da civilização europeia.
O processo era imparável e, por isso mesmo, a 11 de Novembro de 1975 Angola passou a ser, finalmente, uma nação independente. A potência colonizadora, no seu afã libertador, não acautelou o futuro do novel país. Foi como uma mãe que abandonasse o próprio filho à sua sorte após o corte do cordão umbilical. Deixou-lhe um território rico, relativamente bem estruturado, mas, também lhe deixou uma mão cheia de inexperiência, aliada à sensação da rejeição por algo indesejado.
Os resultados nefastos desse abandono não se fizeram esperar. A instabilidade, a todos os níveis, instalou-se numa Angola agora livre. A sua economia sem a gestão dos antigos colonos, simplesmente, entrou num colapso meteórico, o recente poder político-administrativo, apenas acostumado a definir as estratégias de combate da guerrilha, sentiu-se inoperante perante os desafios da governação que se lhe apresentavam. A ausência de quadros superiores e médios nacionais, não permitidos pelo colonialismo, revelou-se dramática. Paralela, e acima de tudo isto, continuava a existir a guerra agora sob a forma fratricida de uma guerra civil.
Foram vinte longos anos de luta que tudo destruiu, homens, mulheres e crianças, terra e esperança. Mesmo a fé em Deus foi abalada e cada angolano sentiu, durante a sua peregrinação de misérias ao longo destes anos, que essa divindade tinha voltado as costas aos seus filhos e deixado Angola entregue à ira dos homens.
Agora, vinte anos depois, voltam a sentir-se presságios, desta vez bons, de que os senhores da guerra e da paz estão cansados de tanta iniquidade, de tanto sofrimento e de tanta morte.
Pode-se vislumbrar já o abraço entre os irmãos desavindos e, atrás como pano de fundo, o sorriso no rosto de milhões de crianças angolanas que iluminará, como uma aurora, a longa noite do medo que povoou de fantasmas as mentes dessas crianças, que são o futuro de uma Angola verdadeiramente livre.
Reinaldo Ribeiro
11/11/95