Caminhando com Livros

Durante um longo passeio por montes e vales, o seu jovem acompanhante sugeriu que ele falasse sobre livros.

– É uma óptima sugestão para a nossa conversa, pois, eu penso que se alguém quiser alargar os seus horizontes de conhecimento, deve fazê-lo através da leitura. Coloco-me entre os que pensam que a literatura é um sonho dirigido e estou completamente de acordo com Plínio, o Jovem, quando nas suas Epístolas escreveu que não há livro tão mau que não contenha algo de bom.

Devo dizer-te que esta conversa promete ser longa, mas, antes de chegarmos aos livros, que só surgem com o formato que conhe­cemos hoje após a invenção da prensa de Gutenberg, falemos primeiro da escrita.

Dizem os historiadores que os primeiros registos de escrita foram produzidos na Suméria, na antiga Mesopotâmia com a escrita cuneiforme e, no Egipto, cerca de 3500 anos antes de Cristo, com os hierógli­fos. Inicialmente, esses escritos eram gravados em pedra, argila, papiro, madeira, pele de animais, etc. Depois, com a descoberta do papel pelos Chineses, esse suporte passou a ser o mais utilizado em todo o mundo.

Passemos então ao conteúdo desses escritos.

O primeiro poema épico de que há registo foi gra­vado em doze tábuas de argila na Suméria, faz parte da antiga mitologia da Mesopotâmia e relata a vida de um antigo herói, talvez um rei histórico chamado Gilgamesh que foi mais tarde divinizado.

Este poema viria a exercer uma influência substan­cial em Homero que, suposta­mente escreveu, em Grego antigo, dois dos maiores poemas épicos de sempre que chegaram até nós, a Ilíada e a Odisseia. A sua importância foi a de serem o protótipo de vida a ser seguida pelas inúmeras gerações seguintes nas mais varia­das esferas, da política, passando pela arte, até à ciência e à filosofia.

Como podes perceber, na Grécia Antiga, a litera­tura seguia na senda de Gilgamesh e cantava os seus heróis que também eram muitas vezes deuses, mas sempre com o intuito de formar a consciência e a identidade cultural dos Gregos anti­gos, através das tradições que lhe serviam de base.

No início, essas narrativas eram transmitidas por via oral e só mais tarde se fixaram na escrita, num esforço renovado de preservação da cultura dos antepassados.

Outras civilizações, além da Grega, deixaram igual­mente narrativas escritas dos seus heróis e deuses (e das suas religiões). Seria exaustivo e, para mim, impossível falar-te e descrever-te todos os exemplos da história da literatura, no entanto, vou falar-te aqui de alguns dos mais conhecidos.

Na Roma Antiga, a expansão literária foi enorme. A recitação pública era a principal forma de divulgar textos, principalmente as obras literárias. Eram recitados poemas aos participantes em ban­quetes e outros momentos festivos. As famílias abastadas contavam inclusive com os lectores, que eram escra­vos ou libertos, especialistas em recitar.

Para ficares com uma ideia, embora reduzida, vou dizer-te os nomes de alguns dos inúmeros autores mais importantes da Roma Antiga, e das suas obras mais emblemáticas, de que me recordo: Lucrécio (De rerum natura), Ovídio (Medeia, Metamorfoses), Virgílio (Geórgicas, Eneida), Cícero (De Re Publica), Tito Lívio (Ab Urbe Condita), Plínio (História Natu­ral), Séneca (Gesta Romanorum), Santo Agostinho (De Civitate Dei, Confissões).

Na literatura da Índia os Vedas, escritos em sânscrito, são considerados os mais antigos textos sobreviventes. Compõem-se de mantras que repre­sentam hinos, orações, encantações, mágicas e fór­mulas, rituais, encantos etc.

Quanto à China, os principais textos chineses são os quatro livros e cinco clássicos, de Confúcio.

As escrituras hebraicas ou Antigo Testamento são uma colecção de escritos religiosos dos antigos hebreus, acreditados por muitos judeus e cristãos religiosos como a sa­gra­da Palavra de Deus, que se estima terem sido escritos durante o século II a.C., na língua original aramaica. A Bíblia cristã tem aqui a sua origem.

Até agora, falei-te sobre os escritos conhecidos da Idade do Bronze e da Era Clássica, agora vou falar-te dos livros da Idade Média.

Em França, surgem as canções de gesta da literatura medieval, escritas em Francês antigo, que versavam sobre as aventuras de Carlos Magno e dos seus Doze Pares da França, das quais A Canção de Rolando é a mais reconhecida. Na Bretanha, as canções da gesta enaltecem, principalmente, o Rei Artur e os seus Cavaleiros da Távola Redonda. O primeiro autor Inglês, Geoffrey Chaucer, escrevia em inglês médio, ou seja, um inglês com influências da língua normanda e do latim. O seu mais famoso trabalho é Os Contos da Cantuária.

No século XIII, na Escandinávia, o poeta e historiador Snorri Sturluson organizou e escreveu em prosa um apanhado das tradições orais mitológicas, numa obra que ficou conhecida como Eddas. Outra das formas literárias escandinavas mais populares são as Sagas, narrativas de cunho histórico da Era Viking.

São conhecidos alguns fragmentos da literatura árabe do século VI, mas foi no século seguinte que surgiu a obra fundamental da literatura árabe, o Corão.

Umas das obras mais importantes e influentes da literatura catalã medieval é Tirant lo Blanc, de Joanot Martorell. Trata-se de um romance épico publicado em 1490 e escrito em catalão.

É evidente que os exemplos atrás referidos são apenas uma pequena fracção da produção literária na Idade Média, assim como os que agora vou enunciar são só os mais conhecidos do Renascimento, principalmente na Europa, onde surgiram grandes génios da literatura.

A Itália pode orgulhar-se de ser o berço de Dante Alighieri, com o seu magistral trabalho, Divina Comédia, bem como de Maquiavel, com O Príncipe, obra precursora da ciência política, Petrarca com Il Canzoniere, Bocaccio com Decameron, e Tommaso Campanella e a sua cidade ideal, A Cidade do Sol.

Ainda no mundo latino surgiu, em Espanha, Miguel de Cervantes com o célebre Dom Quixote, uma obra-prima crítica da cavalaria medieval. E no extremo Ocidental, aqui no nosso país, Luís de Camões deu à estampa o grande poema épico Os Lusíadas.

Dos Países Baixos, Erasmo de Roterdão deixou-nos o seu Elogio da Loucura.

Na Inglaterra surgiu Shakespeare, talvez um dos maiores dramaturgos de todos os tempos, que escreveu inesquecíveis comédias e tragédias como “Romeu e Julieta“, “Macbeth“, “A Megera Domada“, “Otelo” e várias outras. Também não devo, nem posso, esquecer de mencionar Thomas More com a sua obra humanista Utopia.

Mais tarde, durante a primeira parte do século XVII, a literatura experimentou um grande florescimento em vários países, que veio dar origem à literatura moderna. Surgiram, então, nomes como Luis de Góngora, Francisco de Quevedo, do padre português António Vieira, com os seus Sermões e de Gregório de Matos, na Península Ibérica; Molière, Racine, Boileau e La Fontaine engrandeceram as letras francesas; na Inglaterra, propiciou-se o florescimento de uma poesia metafísica tipificada por John Dryden, John Milton, John Donne e Samuel Johnson. Ao longo do século XVIII tiveram grande projecção os géneros satíricos e sentimentais escritos por Alexander Pope, Voltaire e Jonathan Swift.

Nesta nossa acelerada viagem pelo tempo da literatura acabámos de desembarcar, já no fim do século XVIII, no Roman­tismo. Convém dizer-te que este foi um movimento artístico que surgiu na literatura quando os escritores trocaram o mecenato aristocrático pelo editor e que precisaram de cativar um público leitor. Esse público será o dos pequenos burgueses, que não estavam ligados aos valores literários clássicos e, por isso, apreciariam mais a emoção do que a subtileza das formas do período anterior.

Os antecedentes do Romantismo surgiram na Inglaterra com os autores William Blake, com um livro famoso The Marriage of Heaven and Hell, e Edward Young, com os seus Night Thoughts. Coleridge e Wordsworth podem ser considerados os pais do Romantismo, seguidos por Lord Byron, Shelley e Keats.

Na Alemanha, são incontornáveis os nomes de Goethe, Schiller, Herder e Novalis.

Com a difusão deste movimento na Europa, os escritores Stendhal, Victor Hugo e Musset, em França; Leopardi e Manzoni na Itália; Garrett e Herculano, em Portugal passaram a privilegiar o sentimen­talismo original do Romantismo.

Este movimento literário tinha o liberalismo como referência ideológica, renegando as formas rígidas da literatura, como versos de métrica exacta. O romance torna-se o género narrativo preferencial, em oposição à epopeia, cujas temáticas são o historicismo e o individualismo, ou o Mal do Século, ou seja, um sentimento de decadência, tédio, desilusão e melancolia, da inutilidade e futilidade da existência. No historicismo, além dos autores que acabei de mencionar, ainda se incluem nomes como Walter Scott e Balzac.

Uma das vertentes do Romantismo é o Realismo, em que os escritores desejavam mostrar o homem e a sociedade na sua totalidade. Não bastava mostrar a face sonhadora ou idealizada da vida; desejaram mostrar a face nunca revelada do quotidiano massacrante, do amor adúltero, da falsidade e do egoísmo humano, da impotência do homem comum diante dos poderosos. É uma crítica objectiva contra o avanço da modernidade em termos da intensa racionalização e mecanização. Aproveito para te dizer que me revejo nesta corrente do Romantismo, em que se procura apontar falhas, talvez como modo de estimular a mudança das instituições e dos comportamentos humanos. Em lugar dos heróis, surgem pessoas comuns, cheias de problemas e limitações. Com a publicação de Madame Bovary de Gustave Flaubert deu-se início ao Realismo. Alguns expoentes deste tipo de romance na Europa são Balzac, Dickens e os portugueses Eça de Queiroz e Antero de Quental.

O Naturalismo, que se destaca pela abordagem extremamente aberta do sexo e pelo uso da linguagem falada e tem como resultado um diálogo vivo e extraordinariamente verdadeiro, que na época foi considerado até chocante de tão inovador. Os naturalistas acreditavam que o indivíduo é um mero produto da hereditariedade e o seu comportamento é fruto da educação e do meio em que vive e sobre o qual age. Entre os escritores deste género, Darwin, com a sua obra maior, A Origem das Espécies, foi o expoente máximo, mas ao lado, Hippolyte Taine e Auguste Comte influenciaram de modo definitivo a estética naturalista. No entanto, foi Émile Zola o idealizador do Naturalismo e o seu Romance Experimental é considerado o manifesto literário do movimento.

Então, um movimento literário essencialmente poético, contemporâneo do Realismo-Naturalismo desenvolveu-se na poesia a partir de 1850, em França, com o objectivo de retomar a cultura clássica. Ficou conhecido como Parnasianismo e toda a sua literatura é escrita em soneto.

O primeiro grupo de parnasianos de língua francesa reúne poetas de diversas tendências, mas com um denominador comum: a rejeição do lirismo como credo. Os principais expoentes são Théophile Gautier (que fica famoso ao aplicar a frase “arte pela arte” ao movimento), Leconte de Lisle e Théodore de Banville.

No fim do século XIX, surge em França um novo movimento literário, o Simbo­lismo, em oposição ao Realismo, Naturalismo e Positivismo. Fundamentou-se principalmente na subjectividade, no irracional e na análise profunda da mensagem, a partir da união de sensações diferentes. Como escola literária, teve as suas origens na obra As Flores do Mal, do poeta Charles Baudelaire, que admirava e traduziu os trabalhos de Edgar Alan Poe, particularmente o poema O Corvo, que lhe foram de significativa influência. Outro grande escritor simbolista foi Rimbaud, autor da obra-prima Iluminações. Entre os seguidores portugueses deste movimento destaco Camilo Pessanha, António Nobre e Eugénio de Andrade.

Como podes ter reparado, o século XIX foi extremamente rico em literatura. Só mencionei nomes de escritores, quase todos, europeus, no entanto, seria uma injustiça se não te falasse dos escritores russos como Tolstoi, Dostoievsky, Pushkin, Anton Tchekhov, que foram realmente gigantes da literatura e escreveram obras-primas imortais, ou os americanos Nathaniel Hawthorne, com o seu magistral livro A Letra Escarlate, Thoreau, Emerson, Whitman, Mark Twain, em estilos diferentes. É evidente, que omiti aqui muitos nomes, e de outras nacionalidades, mas, como te disse, seria impossível nomeá-los todos.

– Quando sugeri o tema dos livros para a nossa conversa, nem imaginava que iria receber a maior lição de História da Literatura da minha vida. Não tenho palavras para lhe agradecer, por isso, limito-me a dizer-lhe um simples obrigado e aguardo com curiosidade o que ainda tem a dizer sobre a literatura contemporânea. – disse-lhe o jovem, sinceramente agradado.

– Nada tens que agradecer, porque este é um assunto que me dá prazer comentar. Não falei ainda dos autores contemporâneos, porque o seu número é muito maior e as suas obras não são de menor importância. No entanto, não quero deixar de mencionar alguns, por quem tenho uma grande admiração.

Mas, antes, tenho de dizer-te que os antigos viam no livro um sucedâneo da palavra oral, porém, posteriormente, esse conceito mudou e, agora, vemos o livro como uma coisa entre as coisas, um volume perdido entre os volumes que povoam o indiferente universo, até que encontra o seu leitor, o homem destinado aos seus símbolos.

Um dos autores mais marcantes na história do modernismo na literatura de língua inglesa foi, sem dúvida, James Joyce, com o seu Ulisses, em que situa as personagens e incidentes da Odisseia de Homero na Dublin moderna, tudo passado num único dia, 16 de Junho de 1904. Outro, com o mesmo grau de importância literária e com uma grande influência em escritores posteriores, foi Franz Kafka, do qual destaco o conto A Metamorfose e os romances O Processo e O Castelo.

Na literatura Francesa do modernismo há um nome que tem de ser mencionado, que é o de Proust. A sua obra Em Busca do Tempo Perdido é um corte decisivo com a corrente literária Realista do século XIX. Os seus personagens mostram uma multiplicidade de perspectivas em que o autor muitas vezes coloca o que está acontecendo na memória e na contemplação interior do que descreve, e que significa perceber os diferentes e frequentemente incompatíveis aspectos da realidade.

O americano Ernest Hemingway, no ardor da sua juventude, ofereceu-se para lutar na I Grande Guerra, onde a experiência vivida o inspirou a escrever o seu primeiro romance O Adeus às Armas. Por passar, anualmente, vários meses em Cuba junto de pescadores foi motivado a escrever o premiado O Velho e o Mar. Anos mais tarde, o seu espírito irrequieto leva-o como jornalista para a Guerra Civil Espanhola, onde não hesitou em se aliar às forças republicanas contra o fascismo, o que viria a ser o tema do livro Por Quem os Sinos Dobram, considerado a sua obra-prima. Seria laureado com o Nobel pelo conjunto da sua obra.

Estou a fazer esta descrição de nomes de autores e de algumas das suas obras sem ter qualquer critério de selecção, pois limito-me a enunciar alguns dos que me vêm agora à memória.

Estou a pensar, por exemplo, em Aldous Huxley e o seu Admirável Mundo Novo, em Thomas Mann e a sua Montanha Mágica, em H. G. Wells e os seus ‘romances científicos’, em Orwell com 1984. Mas também há John Steinbeck, um escritor norte-americano cujos trabalhos são considerados clássicos da literatura ocidental, principalmente, As Vinhas da Ira que, pela sua escrita realista e imaginativa e pela sua percepção social, lhe valeram também o prémio Nobel da Literatura.

Um dos escritores de que mais gosto é do argentino Jorge Luís Borges. As suas obras mais conhecidas Ficciones e O Aleph são colectâneas de histórias curtas interligadas por temas comuns: sonhos, labirintos, bibliotecas, escritores fictícios, livros fictícios, religião e Deus, onde se destacam temáticas como a filosofia (e os seus desdobramen­tos matemáticos), metafísica, mitologia e teologia.

Poderia ainda falar-te de dezenas de outros autores contemporâneos globalmente reconhecidos, mas vou reduzi-los apenas a três escritores portugueses de primeiro plano. Começo pelo mais famoso, Fernando Pessoa. Este poeta, reconhecido entre nós, pelas obras Mensagem e O Livro do Desassossego, foi um criador original, cuja principal característica foi a de criar outras vidas através dos seus vários heterónimos. Posso dizer-te que Pessoa se preocupava com a intelectualidade do homem e que a sua vida foi uma constante divulgação da língua portuguesa que, aliás, está bem expresso na sua obra.

Outro escritor, cuja obra lhe valeu o Nobel, foi José Saramago. Este, antigo operário metalúrgico, desenvolveu um grande sentido de crítica social. Utilizou na sua obra literária um estilo oral, coevo dos contos de tradição oral populares em que a vivacidade da comunicação é mais importante do que a correcção ortográfica de uma linguagem escrita. Os seus trabalhos mais importantes são Levantado do Chão. Memorial do Convento e Ensaio sobre a Cegueira, entre outros. 

Por último, vou falar-te do poeta Herberto Helder, com quem tive o prazer de conviver durante alguns anos. É considerado por muitos como o maior poeta português da segunda metade do século XX. A crítica literária aproxima a sua linguagem poética do universo da alquimia, da mística, da mitologia edipiana e da imagem da Mãe. Os Passos em Volta, é um livro que, através de vários contos, sugere as viagens deambulatórias de uma personagem, que é o próprio autor, por entre cidades e quotidianos, colocando ao mesmo tempo incertezas acerca da identidade própria de cada ser humano. Photomaton e Vox, por sua vez, é uma colectânea de ensaios e textos e também de vários poemas. Poesia Toda é o título de uma antologia pessoal dos seus livros de poesia que tem sido depurada ao longo dos anos.

Depois de te falar sobre todos estes autores e dos seus livros fabulosos vou concluir esta longa explanação com um pensamento de outro escritor Inglês famoso, Thomas Carlyle, que nem referi antes, em que ele diz: “A história universal é um infinito livro sagrado que todos os homens escrevem e lêem e tentam compreender, livro este em que também eles são escritos”.

Reinaldo Ribeiro – 24JAN2021

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