Cidadãos: Contenham-se
Começou a guerra pela sobrevivência no antropocénico. A humanidade introduziu alterações tão profundas no planeta que inaugurou uma nova era geológica. A natureza precisa de um novo equilíbrio.
Não vale a pena meias palavras. É uma guerra sem quartel e o campo de batalha é o nosso corpo: lutar para o inimigo não entrar. Mas se entrar, lutar para matar o inimigo, ou então…
Com clareza, sem rodeios, começou uma luta de vida ou de morte, para mim, para si e também para todos nós, para esta comunidade que conhecemos, a vida, o mundo que conhecemos.
Neste caso existe um campo social onde esta batalha também se trava. Tal como no corpo de cada um, também na comunidade se tem de combater o vírus, com racionalidade, evitando comportamentos de risco e com solidariedade, apoiando todos os que necessitem e facilitando o funcionamento das nossas rotinas.
Sem querermos, podemos matar os nossos mais queridos, a começar pelos mais velhos.
Nesta altura, já é claro que o âmago da solução se centra no eixo indivíduo-social: ou seja, o cidadão.
Repentinamente, devido a uma causa natural, que não está diretamente relacionada com o aquecimento global, o fim do capitalismo ou uma invasão extraterrestre, a espécie humana está ameaçada e o mundo, tal como o conhecemos, irá decerto mudar e não sabemos como…
É impossível não pararmos para reconhecer com humildade quão frágil um ser humano é.
Reconhecer também como, apesar de tudo, a nossa força reside na comunidade. Tal como na origem da espécie humana, a nossa força está no coletivo, na adaptabilidade, na inovação.
Surpreendentemente, neste caso, o indivíduo e a sua comunidade têm um papel determinante, um papel como nunca tiveram até aqui.
Neste caso em que não há vacina, não há antídoto, o combate está em questões de comportamento no plano individual, articulado com o social.
Nesta batalha que pode atingir 70% da população, a melhor arma é uma questão de cultura. Mais precisamente, a necessidade de introduzir alterações imediatas na cultura da nossa comunidade, como por exemplo, nas saudações, interações familiares, laborais, nas rotinas de abastecimento…
A arma de que precisamos agora, da qual dependemos para sobreviver, é precisamente a desta cultura que a Gandaia tem vindo a falar.
Não é a produção intelectual artística e científica, importantíssimas, claro, mas sim a cultura em que vivemos mergulhados, a cultura de que somos parte ativa, nos comportamentos sociais, num determinado tempo, num determinado território. Em suma, a maneira como vivemos.
É agora, é aqui, é nisto que todos nós, autarquias, associações, clubes, entidades implantadas no terreno, com relações interpessoais, com uma rede de contactos, é esse verdadeiro sistema nervoso que tem de ser ativado, de forma positiva, para criar a consciência coletiva de proteger, ao mesmo tempo, cada um e todos nós.
Ou seja, desta vez, grande parte da batalha pela sobrevivência se trava no plano da consciência, da ética e, sobretudo no controlo que cada um conseguir ter das suas emoções. Faz toda a diferença sentir que não estamos sozinhos.
É precisamente nestas situações que faz falta – MUITA FALTA – a tal rede de entidades que emana da comunidade. É aqui que devo apontar o dedo crítico aos executivos que recusam apoiar as associações por falta de dinheiro e depois o gastam com espetáculos grandiosos de efeitos eleitoralistas ou para promover as suas carreiras políticas.
Não adianta chover no molhado. Mas também não adianta esconder a verdade e deixar de enfrentar as realidades. Temos de estar unidos, mas temos de identificar e corrigir os erros.
Pessoalmente, acredito que o segredo da vitória pode muito bem estar na atitude. Ou seja, ALÉM de cumprir escrupulosamente as indicações das entidades da saúde pública e proteção civil, além de as ajudar a fazer cumprir as indicações – duas facetas da mesma moeda: o dever – uma outra arma poderosíssima, é uma atitude positiva, encorajante, estimuladora. Uma arma poderosíssima é a gentileza, a disponibilidade… uma arma poderosíssima é um sorriso.
Nesta altura em que escrevo, já sei que quando ler estas palavras os números serão maiores, mais tristes e já todos os especialistas falaram na televisão pelo menos duas vezes.
Mas também já se começou a integrar a ideia de que haverá uma fronteira aqui, mesmo aqui, nestes dias. Claramente um antes e um depois.
Ainda há pouco tempo houve um dia único, 11 de setembro de 2001, também com essa fronteira. Tudo indica que este vai ser um fenómeno muito mais avassalador, mais abrangente, e não podia ser mais íntimo.
Se conseguirmos essa conquista extraordinária de ligar o botão da cidadania e proteger os outros como a nós próprios, de ligar o botão da simpatia com calma e paciência e criarmos uma comunidade… se conseguirmos isto, então enfrentámos a crise, superámos os desafios e criámos a nossa oportunidade, tal como a etimologia ensina. Saímos, decerto tristes pelas perdas, mas seguramente mais fortes.