A Coragem de Existir

1_6_economia_mar1José Gil, definia um dos problemas portugueses “[…] O Medo de existir”, apontando, entre outros fatores, a televisão, a não-inscrição, o medo, a inveja e o queixume.

Hoje trago-vos o exemplo oposto, o da Gandaia, a coragem de existir.

Ao contrário do que é habitual no panorama português – e foi abordado pelo filósofo – há também quem não se sinta satisfeito com o panorama social e cultural e tenha a coragem de dar um passo em frente. Foi, e é, esse o caso da Gandaia.

Mas é importante referir as dificuldades que qualquer um enfrenta para trazer seja o que for para o espaço público. “Inscrever” a sua opinião, visão, contributo, nas palavras de José Gil.

Está consagrada a ideia de “preso por ter cão e por não ter”, uma ideia que reflete o “bombardeamento de opiniões contraditórias seja sobre o que for.

Sampaio da Nóvoa, numa entrevista a Fátima Campos Ferreira, muito antes da sua candidatura, enunciou diversas questões sobre a necessidade de intervenção no espaço público e, sobretudo nos processos de decisão. A necessidade imperiosa da sociedade civil começar a ter um papel mais ativo. Assim como as dificuldades inerentes. Se quiser ver ou rever esta entrevista, basta clicar aqui.

Nessa entrevista, Nóvoa enuncia alguns fatores essenciais para essa intervenção: franqueza, frontalidade, autenticidade e modéstia, pois ninguém pode dizer que possui certezas e que detém a verdade.

Se pensarmos bem, estas questões fazem mesmo toda a diferença e podem mesmo garantir a distinção entre as propostas iníquas e falsas, daquelas que vêm verdadeiramente tentar trazer algo de novo, algo de positivo.

A Gandaia tem sempre tentado ter esse norte. Não fingimos ser o que não somos. Definimos com clareza e por escrito todos os nossos projetos. Estão aí, desde o primeiro dia, prontos a ser escrutinados. Funcionamos de forma democrática, quer dentro dos corpos sociais da associação, quer face à comunidade, assegurando reuniões quinzenais abertas a todos que queiram participar.

Definimos o nosso campo de intervenção, de forma clara e explícita. Definimos o nosso conceito de cultura. E trabalhamos. Muito. Queremos aproximar as pessoas, fortalecer a comunidade e mostrar a cultura da nossa região, ao mesmo tempo que queremos viabilizar os projetos culturais como polos de desenvolvimento.

Infelizmente, não se pode dizer que existe uma clara compreensão quanto à nossa intervenção no tal espaço de decisão. Não há dúvida que esse espaço de decisão – um espaço do poder – não é fácil de gerir. As questões de poder nunca o são.

Infelizmente, os centros de poder – que é presentemente democrático – não está a compreender o valor desta participação independente e, sobretudo, o perigo de não aumentar a sua permeabilidade a quem está fora desse poder e da sua estrutura intrínseca: os partidos que o suportam.

José Gil refere “o nevoeiro” como metáfora do alheamento que nós todos presenciamos nas sociedades desenvolvidas da atualidade. Fala da televisão como uma das razões. Da má televisão, encorpada por telenovelas a fio, os referidos “programas de realidade” que são verdadeiramente a negação da realidade.

A Gandaia trava diariamente uma luta contra esse alheamente. A Gandaia e tantas outras associações similares. Organizamos tertúlias, incentivamos a leitura e a escrita, etc.

Se os gestores políticos julgam que esta luta pela formação de públicos não está diretamente relacionada com a abstenção eleitoral, é porque também eles andam a ver demasiada televisão. É precisamente a mesma luta.

Gilles Lipovetsky, caracterizando a sociedade pós-moderna, a que começou por chamar “A Era do Vazio”, aponta o individualismo – o hedonismo – e o esvaziamento de sentido das grandes instituições sociais. Chamou-lhe a hipermodernidade e o hiperconsumismo.

São as associações quem tece a rede que sustém a comunidade. Quem liga os indivíduos e lhes dá os outros pertinentes no seu espaço geográfico. Especialmente numa comunidade sem orgãos de comunicação social.

É essa a função deste Notícias da Gandaia e é por isso que não se encontram aqui as notícias de faca e alguidar, os acidentes espremidos em apelo à emoção fácil. Não é esse o seu papel. Por isso é que o Notícias da Gandaia é um grande órgão de comunicação social e, sobretudo, é bom não esquecer, que a sua vocação é de comunicação comunitária.

Nos tempos que correm, se não houver esta vida associativa, estes propósitos sociais sustentados por princípios éticos e não comerciais, é a própria democracia que estará em perigo. Esta democracia. Poderá vir outra, suportada em “spots” publicitários, carinhas larocas e frases sonantes mas enganadoras, desprovidas de autenticidade.

Portanto, para concluir, sim, é mesmo preciso coragem para existir. Assim, a disputar tudo com todos, em nome de um futuro melhor. É preciso não ter medo, nem da morte. Outros ficarão com esse ónus. Nós ficamos com o prazer do dever cumprido.

 

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