Judas Debaixo de Fogo
A auditoria da Inspecção-Geral das Finanças (IGF) à gestão da Câmara Municipal de Almada, no período entre 2014 e 2016, quando a presidência era responsabilidade de Joaquim Judas, eleito pela CDU, encontrou “despesas ilegais” na autarquia da ordem dos 1,6 milhões de euros. Em resposta, a CDU afirma que “há diferentes interpretações” sobre a aplicação da lei e que as acusações de ilegalidade são “excessivas”.
Para os inspectores da IGF existem “diversas irregularidades e insuficiências de natureza administrativa, assim como indícios de infracções de natureza penal e financeira” na gestão da Câmara Municipal de Almada nessa época. Por isso, porque essas irregularidades (que irão recair sobre os chefes de departamento e não sobre os então eleitos locais, esclarece a auditoria) têm natureza penal e de responsabilidade financeira, o relatório será enviado “às entidades judiciais competentes”, isto é, ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas.
No relatório entregue à Câmara e já distribuído aos deputados municipais são apontados problemas administrativos, alguns resultando da utilização de sistemas informáticos obsoletos, mas, principalmente, problemas de procedimentos e controlo interno. Dos contratos analisados, diz o relatório, em “54 por cento dos procedimentos por ajuste directo o convite só foi dirigido a uma entidade.” Aliás, lê-se ainda, o ajuste directo foi a forma de contratação mais utilizada pelo município, em 85 por cento dos processos (154 empreitadas), “enquanto o concurso público foi utilizado em 27 empreitadas.”
A compra de relógios e telemóveis pela autarquia, para oferecer aos trabalhadores com mais de 25 anos de casa, tem sido o exemplo mais usado para ilustrar as irregularidades detectadas. Em relação a estes contratos, a IGF fala em ilegalidades por não terem sido acautelados “os princípios de interesse público e de legalidade” que tornam a despesa associada (163 mil euros) ilegal.
Entretanto, a CDU fez sair um comunicado onde defende que, no que diz respeito a estas “consideradas ilegalidades”, sobretudo no que diz respeito à aquisição dos relógios e telemóveis, é “excessivo” que se considere ilegal “uma decisão de pura gestão política.” E para justificar as “desconformidades” encontradas, a CDU recorre ao texto do relatório, para dizer que há “diferentes interpretações das normas legais aplicáveis às autarquias locais e que tal poderá ter conduzido e determinado a existência de algumas das desconformidades identificadas.” Por fim, o que é actualmente o principal partido de oposição à vereação socialista, deixa uma nota final considerando positivo que não seja indicada nem indiciada “a prática de qualquer acto de corrupção.”
Como se costuma dizer, muita água tem corrido debaixo das pontes desde a tomada de posse de Inês de Medeiros, e esta auditoria tem sido o elefante na sala das relações entre socialistas e comunistas, relação que dificilmente melhorará perante os resultados apresentados pela IGF.
Aliás, assim que recebeu o relatório final da auditoria, realizada por iniciativa da IGF ao abrigo do Plano de Actividades daquela entidade, os socialistas marcaram uma Assembleia Municipal extraordinária para debater o assunto. Nessa reunião, realizada sexta-feira passada, Inês de Medeiros considerou que o documento era um sinal “preocupante”, uma vez que as conclusões retiradas de dados por amostragem sugerem que “pode ser sintoma de uma prática generalizada.” A presidente sublinhou, ainda, que apesar de serem poucas as situações analisadas, todas “apresentam deficiências.” Mais assertivo ainda é o socialista Ivan Gonçalves, na mesma reunião concluindo que o relatório a IGF faz cair “por terra o mito que foi construído sobre a boa gestão que CDU de Almada fazia.”
Em declarações ao Público, a presidente da Câmara garante estar a pôr em prática as recomendações da IGF, desde mudanças dos sistemas informáticos, a mudanças no controlo e responsabilidades internas da própria autarquia. A socialista assegura que quer acabar com a “cultura” que existia em que as “chefias” diziam e os dirigentes cumpriam, sem qualquer avaliação, cultura que teve como resultado o facto de serem agora os trabalhadores, e não os vereadores da CDU da altura, que estão a ser visados na assunção de responsabilidades desta auditoria.”