Memória Histórica

Recuperar a memória histórica…

Há momentos na nossa vida que ficam gravados na nossa memória, embora tenham ocorrido há muitos anos atrás. Nos anos 40 do século passado, era eu ainda bem pequeno, recordo um acontecimento que se passou comigo e que nunca esqueci.

Passava as férias de Natal (ou talvez ainda nem frequentasse a Escola Primária) em casa de meus avós maternos, na aldeia alentejana de Santo Amaro (Sousel). Recordo que, durante a tarde, de um dia frio desse Inverno, acompanhava o porqueiro que, no montado, nessa altura bastante denso, guardava a vara de porcos que procuravam a bolota das azinheiras e sobreiros, para reporem as arrobas necessárias para serem abatidos daí a dias. O montado ficava, assim como o Monte, juntinho da aldeia.

Debaixo de uma frondosa azinheira, fomos encontrar uma pobre mulher, com um filho nos braços, que ainda amamentava. A fome, o frio, a pobreza e o medo, eram evidentes. Ela pedia comida, uma côdea de pão, um pedaço de um “faneco” mesmo duro, para acompanhar algumas bolotas que comia sozinhas, para saciar a fome. Era uma fugitiva da sangrenta guerra civil que destruiu a vizinha Espanha poucos anos antes. As perseguições e a fome ainda eram lugar comum. A ditadura franquista não tinha ainda terminado a limpeza de muitos daqueles que se lhes opuseram. Do lado de cá, outra ditadura, da mesma cor politica, se a encontrassem, devolvê-la-iam e o seu fim não seria certamente o melhor.

Isto passava-se no mês em que os Homens comemoravam o nascimento de Jesus!!! As consciências desse tempo desconheciam o que eram os direitos humanos e a fraternidade entre os Homens. A caridade que apregoavam os nossos governantes era mera conversa para enganar os desinformados adultos desse tempo.

Não esqueci esse momento a que assisti e, ainda hoje, passados mais de setenta anos, recordo e penitencio-me por não ter ajudado, como hoje o faria, essa pobre mulher e o seu pequenino que, com frio e com fome, ficaram junto ao tronco da velha azinheira.

O que será feito desses dois seres humanos, “nuestros hermanos”, certamente oriundos da nossa vizinha Extremadura? Será que ainda são vivos? O pequenino terá agora uns setenta anos, se a morte o não levou!

Embora a Paz e a Democracia, agora presentes na vizinha e amiga Espanha, assim como em Portugal, não fará mal, para que não se volte a repetir, nunca mais o que se passou nesses anos já passados, recuperar a memória histórica…a deles e a nossa.

 

António José Zuzarte

11 de Abril de 2008.

One thought on “Memória Histórica

  • 8 de Dezembro, 2017 at 10:23
    Permalink

    Meu amigo, a caridade do governo de então é a mesma dos governos da agora, hipócrita!
    Belo texto para nos recordar que as guerras, as desigualdades e a exploração do outro existem. Só a solidariedade, a tolerância e a fraternidade as podem combater.

    Reply

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Pin It on Pinterest