O Outono
Como são deprimentes as folhas mortas das árvores.
Vejo-as a cada Outono, com uma cadência perturbadora, pintarem de tédio e de nostalgia os longos caminhos da minha existência.
É o tempo em que tudo é morno: o ar, a luz, o sol, a sombra, e até os pensamentos estão sujeitos a essa lassidão, ainda mais opressiva que a modorra da canícula estival.
Pela álea do parque vejo um homem de longas barbas brancas, já um pouco curvado e apoiado a uma bengala, que vem de mão dada a uma criança, uma menina de olhos verdes e de longos cabelos alourados.
Param amiúde. O homem, enquanto fala, vai apontando com a bengala para as árvores, para o céu, para os pássaros ou para mostrar à criança qualquer coisa no chão.
Aproximam-se lentamente de mim. Sentado num banco do jardim observo-os, enquanto a brisa da tarde começa a trazer-me fragmentos da sua conversa.
– Avô, porque caem as folhas das árvores? – escuto a menina perguntar, ao apanhar do chão algumas folhas.
– Porque é Outono, querida, e nesta época as árvores despem as folhas velhas e preparam-se para a Primavera, quando voltarão a vestir-se de folhas novas.
– E porque ficam as folhas amarelas?
– As folhas quando nascem são verdes, viçosas e seguram-se aos ramos com toda a força da sua juventude. Mais tarde, ao envelhecerem, perdem energia, o viço e a cor, e caem. São assim como as pessoas. Tu, que ainda és criança, tens os olhos e os cabelos brilhantes, o teu rosto lindo é rosado, e podes correr e saltar. És como a Primavera.
Eu, que já sou velho, perdi o viço, os meus olhos estão mortiços, os cabelos caíram ou ficaram brancos, mal posso andar e já não tenho força. Sou igual às folhas amarelas, que vão caindo uma a uma. Sou como o Outono.
Sentado naquele banco, com o chão atapetado pelas folhas, sinto-me invadido por uma nostalgia povoada de ternuras, e continuo a ouvi-los. Após um longo silêncio, a criança cujos olhos estranhamente fixos demonstravam estar a pensar na explicação do avô, volta-se para ele e, muito decidida, diz-lhe:
– Avô, já sei, quando eu crescer, não quero ficar amarela!
01JUL2004
que ternura neste belo texto