O Transpraia Parou
No ano em que faria 60 anos, o Transpraia já não atravessa as praias da Costa da Caparica para Sul, até (quase) à Fonte da Telha. Já foi do centro da vila, agora cidade, até mesmo ao centro da Fonte da Telha
Com a saída do centro da Costa, o Transpraia perdeu visibilidade e viabilidade. O proprietário ameaçou vender, repetidamente.
Cabo Verde e Barcelona, foram dois dos destinos anunciados, mas nunca chegou a levantar o material.
Todos os anos o “comboiozinho”, como lhe chamou o Diário de Notícias na sua viagem inaugural, em 29 de junho de 1960, ligava a praia da Costa da Caparica à Fonte da Telha, num trajeto de cerca de nove quilómetros num percurso que compreende quatro estações e 15 apeadeiros.
Em 2012, perante mais um anúncio de venda, assanharam-se as “forças vivas” da terra, Gandaia incluída. Manifestações e debates, abaixo-assinados e exposições. O Transpraia estava nos corações dos residentes. O proprietário defendia que “só queria voltar ao centro”, acrescentava mesmo que pagaria a obra se o permitissem.
Joaquim Judas (CDU), então presidente da Câmara, aceitou a ideia e publicamente manifestou o seu desejo de trazer o Transpraia para o centro e até mais além. O presidente da Junta de Freguesia da Costa da Caparica, José Ricardo Martins, queria até à Trafaria.
Mas ficou tudo na mesma.
O Transpraia são três as máquinas a diesel que puxam composições constituídas por quatro carruagens do tipo imperial, de acesso aberto pelos estribos laterais a sete bancos de quatro lugares corridos. Agulhas, uma laca giratória, necessária para as operações e, claro, carris e travessas, como todas as linhas de todos os comboios. Juntamente com o pessoal, necessariamente sazonal, compõem esta preciosidade.
Além da paisagem, o sistema Decauville, que este comboio usa, com 60 cm de bitola, torna-o uma raridade singular apreciada pelos amantes de comboios, mas não só.
Vão longe os dias em que as suas viagens eram animadas por artistas como Paulo de Carvalho, Helena Isabel, Herman José, Vítor de Sousa que apareciam e cantavam.
Também desapareceu a Banda dos Pescadores da Costa da Caparica, que inaugurou o Transpraia ao som da Maria da Fonte, para incómodo das autoridades presentes, o Secretário Nacional de Informação e Turismo, Dr. Moreira Baptista, o governador civil de Setúbal.
Casimiro Pinto e Silva, pai dos atuais proprietários, foi o visionário capaz de tamanha empresa, trazendo às dunas da Caparica esta preciosidade turística que figurou em inúmeros filmes, jornais e revistas de incontáveis países.
Agora parou. Será este o destino final do Transpraia? Será que este vírus também mata comboios?
“A Câmara Faltou à Palavra”
António Pinto e Silva (APS), proprietário da Transpraia – Transportes Recreativos da Praia do Sol, Lda, prestou-se “a contar a história toda”.
“Como sabem”, começou, “a Câmara, no ano passado demonstrou interesse em adquirir o Transpraia. Houve negociações entre nós, proprietários e o Ecalma, dirigido pelo Eng. Dimas Pestana”.
Conforme o Notícias da Gandaia havia revelado no nº 8 da edição em papel, os proprietários pediram “Um milhão e 400 mil euros”, disse-nos nessa altura, mas não repetiu agora, adiantando então que a Câmara lhe tinha oferecido só 200 mil euros. Mas agora está no segredo das reuniões.
“Resumindo” continuou agora António Pinto e Silva, “no outono passado, houve de novo reuniões, mas desta vez com a presidente, Inês Medeiros, e o Vereador Miguel Salvado.
Na última reunião, em janeiro ou fevereiro, António Pinto e Silva não sabia precisar, ficou acordado que a Câmara comprava o Transpraia. O negócio foi fechado, mas não foi pago”.
Depois, como faz todos os anos, foi “passar uma temporada a Cabo Verde, com o filho…” veio a pandemia e ficou impossibilitado de regressar. “Só pude apanhar o primeiro avião de repatriamento, já em maio.”
Segundo o proprietário, nada tinha sido avançado no processo até à realização de uma reunião em junho. “Agora queriam alugar”, desabafa.
Perguntaram-me se podia pô-lo a funcionar este verão, mas como poderia dar?”
Explica como antes de cada época se desenrola um trabalho de meses a limpar linhas, manter travessas, revisão de máquinas, rodados, numa manutenção muito rigorosa. “A segurança acima de tudo, claro.”
Relativamente ao pessoal, o proprietário afirma que a Câmara preferia comprar a empresa sem funcionários. “Não houve problemas. Cada um foi à sua vida, pelas suas próprias razões, uns por oportunidades no estrangeiro outros a reforma…”
“Decisão do Proprietário”, Diz a Câmara
Perante a versão do proprietário sobre o entendimento de aquisição pela CMA no outono passado, o Vereador Miguel Salvado confirma que “houve uma negociação entre a ECALMA / Wemob (em representação do Município) e os proprietários não tendo sido finalizada.”
Sobre os recentes desenvolvimentos e a paragem o Transpraia no verão de 2020, Miguel Salvado confirma também a reunião já em junho onde “foram debatidas várias opções visto que o proprietário tinha decidido não colocar o Transpraia ao serviço neste ano de 2020 e não tinham sido tomadas as necessárias ações de manutenção e limpeza da linha para que o comboio pudesse circular este ano.”
Para já “a CMA está a analisar várias possibilidades de futuro para o Transpraia, mantendo o interesse que o comboio passe para a posse municipal e seja gerido num enquadramento de mobilidade integrada e do acesso às praias.”