Pausa na Caçada

«Eram campos, campos, campos abertos de espanto e sonho…» Manuel da Fonseca.

Em meados dos anos cinquenta do século passado, tinha os meus catorze ou quinze anos e acompanhava o meu Pai na caça às codornizes, no restolho dos arrozais, junto ao rio Caia. Ia-mos habitualmente para a herdade do Zé do Vale, no concelho de Elvas, onde meu Pai me tirou esta foto com a “Sevilha”, a nossa perdigueira, que nos acompanhou nessa jornada cinegética e de contacto com a Natureza. Era uma pausa na caçada, para uma pequena merenda, nesta tarde outonal.

Nestas jornadas de caça assistíamos ao trabalho desta magnífica cadela, procurando e seguindo o rasto das codornizes e “parando”, estática, como só os bons cães de parar sabem fazer, e só avançando à voz de meu Pai para que a codorniz levantasse vôo e então ele pudesse disparar. Uma ou outra vez também acontecia aparecer alguma narceja, com o seu voar característico e muito rápido, em ziguezagues, que dificultava o tiro.

Como me recordo dessas jornadas inesquecíveis, sem pressas, vivendo o campo, a ver a “Sevilha”a caçar. Só quem assistiu pode testemunhar a beleza da caça nestas tardes alentejanas. Com a “Laika”, outra cadela “pointer”, comprada ao Manuel da Lebre, caçador de Fronteira, branca malhada de castanho, relembro também, já alguns anos mais tarde, grandes momentos, raros para os nossos olhos e sentidos, do seu caçar e parar. Foi-me oferecida por meu Pai, quando terminei o meu curso de Regente Agrícola.

Os arrozais de Elvas, penso que já não existem, ou existem muito poucos. Outras culturas, menos carentes de água, têm vindo a substituir a cultura do arroz.

Eu ainda não era caçador mas registava no meu cérebro os ensinamentos de meu Pai, um pai sempre presente, que me ensinou a ser homem e me ajudou a crescer. Com os meus dezasseis anos, também eu, já com licença de uso e porte de arma de caça, também era caçador, e atirava às espécies consideradas cinegéticas. Tudo ia registando e, ainda hoje, passados mais de sessenta anos, conservo nas minhas memórias, esses momentos vividos no passado, que aqui deixo para os meus leitores, alguns que certamente conhecem estes campos do meu querido Alentejo, onde passei parte da minha juventude, e onde o grande Miguel Torga tanto gostava de caçar e nos deixou nos seus “Diários” tantos testemunhos de caçadas onde participou, principalmente na zona de Monforte.

 

António José Zuzarte, Costa da Caparica, 7 de Maio de 2018.

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