Praia pelo Pescador
A MINHA PRAIA É O FUNDO DO MAR
Mário Martins Figueiredo nasceu e mora na Fonte da Telha, onde fez e criou três filhos, um dos quais é pescador como ele.
“A praia? Nós nascemos a olhar para a praia!” Vive na mesma praia há 72 anos, atravessou as grandes mudanças das últimas décadas: motores, tratores, novos materiais, novos tipos de barcos, novas redes… mas menos peixe e mais lucro nos intermediários.
Mário, quando olha para o mar, vê peixe. A maneira como o mar se apresenta é interpretada segundo o peixe que há ou não há, e as formas de o apanhar: “conheço o fundo do mar todo, até à Lagoa de Albufeira. Sei a fundura dos locais, as pedras… são muitos anos…” Mas não era tudo, “ainda há a fezada, a fé de que ali ou acolá anda peixe, E pronto, lá vamos nós”.
Na Fonte da Telha, agora, só há três companhas de Arte-Xávega, com cerca de 20 pessoas cada. “Começamos em março, abril e paramos em outubro, dependendo de cada ano, do mar que está e do peixe que vai havendo.”
A Xávega, uma técnica de pesca milenar, é uma herança cultural preciosa nas nossas praias. Conhecida como Arte, no Norte, da Vieira até Espinho, e como Xávega, no Algarve, ficou Arte-Xávega para todos.
História e cultura à parte, o dia a dia é uma batalha dura para ganhar o pão quotidiano, que tem de chegar à mesa todos os dias. “Quando não podemos pescar com a Arte-Xávega, usamos as redes de tresmalho, ou a rede de um pano.”
Somando à dificuldade da pesca, do mar e das agruras do clima, acresce “o maior problema é o das vendas. Agora estamos a vender a cavala muito bem. Muito barata, mas vende-se oito toneladas. Mas se eles deixarem de a comprar…”. “Eles” são os espanhóis, que compram a cavala por atacado para alimentar os seus intensos viveiros de atum. O sushi, e não só, depende deles e, claro, das nossas praias também.
Infelizmente, “há cada vez menos peixe. Cavala não, agora até parece haver mais. “Sardinha? Este ano há muita, mas nós não podemos pescá-la, só as traineiras é que têm quota, quando apanhamos, temos de jogá-la fora, nem sequer para isco podemos vender.”
Quanto à relação com os banhistas, não há problemas a registar. Nas zonas concessionadas só pescam depois das 18:30 e é um espetáculo que muitos gostam de ver, especialmente com a nuvem de gaivotas que sempre acompanha a faina. “Antigamente, havia banhistas que vinham no verão para ajudar e ficavam por aí”.
A pesca mudou muito. De puxada à mão, com a força de muitas pessoas a remar e alar as redes, para agora, com motores nos barcos e tratores a puxar.
Mário Figueiredo foi determinante na transformação da Arte-Xávega. Quando viu tratores na praia, percebeu que tinha de existir outra forma: “fui a Espinho ver como eles estavam a fazer com um sistema muito diferente. Foi lá que tive a ideia de fazer os aladores de tambor que puxassem a corda e também as redes. Depois de os verem, todos começaram a usar esse sistema aqui.”
Quanto ao elegante barco tradicional, o ícone das nossas praias, o “Meia-Lua”, está condenado: “é difícil adaptá-lo ao motor. É muito estreito atrás. Em Vieira de Leiria, Mira e Espinho ainda usam porque os barcos deles são muito grandes e mais largos cá atrás, aguentam muito melhor o motor”.
Mário não é filho de pescadores, mas o seu filho já é pescador e o seu neto, prestes a nascer, será também? “Eu não dava esse conselho”, confessa.