Publicada Entrevista com Lídio Galinho
Saíu hoje, dia 25 de janeiro de 2013, no website Café Portugal uma extensa e interessante entrevista com Lídio Galinho, feita por Nuno Ferreira. (Ver original aqui).
Pelo interesse do texto e da personagem, copiamos aqui na íntegra a entrevista para garantir o seu acesso presente e futuro.
Os Portugueses – Lídio Galinho, uma vida em defesa da pesca
O pai de Lídio, Vitorino José da Silva Galinho, era arrais de uma embarcação da pesca da xávega e tinha várias embarcações. O seu nome ficou ligado a uma célebre tragédia no mar da Costa. A 12 de Dezembro de 1929, ao governar o saveiro «Pensativo» pertencente a um familiar, o Mestre Chico, Vitorino deixou 11 homens no mar da Caparica.
«Tivemos outras tragédias mas esta foi a mais marcante» conta Lídio, que juntamente com os seus sete irmãos começou muito cedo a lidar com a pesca. «Aos cinco a seis meses fui viver para a beira da praia. Tínhamos uma casa em alvenaria no centro da Costa de caparica mas a partir de Maio alugávamos aos banhistas e íamos viver para uma barraca na praia agregada a outras duas onde viviam os barraqueiros».
Quem eram afinal os barraqueiros? «Eram pessoas que vinham do norte, do centro e do sul para trabalhar na arte da xávega e que ficavam nas nossas barracas. Na Caparica nunca houve animais para puxar as redes então era sempre necessária muita gente para puxar. Muitos desses “barraqueiros” fixaram-se cá».
Se aos quatro anos ainda frequentava a creche da Casa dos Pescadores – «chamávamos-lhe a Escola Verde porque andávamos todos de bata verde» – aos sete frequentava a escola e passava o resto do tempo na pesca.
«Comecei a tirar água e areia aos sete. Aos oito enrolava a corda e era chamador. Ia à porta dos pescadores da companha chamar um a um tanto de dia como de noite. Aos 12 já embarcava, já dava ao remo e já tinha um cinto para puxar a rede», conta.
Quando o irmão mais velho se ausentou para trabalhar noutra actividade, passou a ser também o escrivão. «Anotava o peixe que era vendido, recebia o que o intermediário pagava e fazia as contas todos os dias. Sempre à frente do meu pai que era analfabeto».
Na tropa, em João Landim, na então colónia portuguesa da Guiné, ensinou artes de pesca e ajudou a formar uma cooperativa para escoar o peixe capturado.
Ao longo da sua vida de pescador, Lídio teve de conviver com perdas irreparáveis. «A 28 de Maio de 1972 perdi um irmão que pescava o robalo perto do Bugio. O barco virou-se ele afogou. Em 75, morreu o companheiro e camarada Joaquim Júlio a norte do Bugio. Nos anos 80, desapareceu no mar, na pesca à amêijoa o António Coelho e na pesca ao robalo perdeu a vida o João Henrique. É uma vida precária…»
Um trabalho e vida difícil que a crise fustiga. «Sempre atravessámos crises muito grandes. É uma actividade sazonal e parte dos nossos barcos partem da praia. Agora, com a crise, aumentou o preço do combustível e o preço dos apetrechos enquanto o preço do peixe diminuiu».
Para poupar combustível, muitas embarcações circulam menos. «O esforço de pesca e a procura dos bancos de pesca diminui para poupar».
Em contrapartida, não falta quem ofereça para trabalhar. «Estão a aparecer muitos desempregados que vêm aqui ao sindicato inscrever-se para tirar a cédula marítima. Aparecem também muitas pessoas sem cédula marítima que querem trabalhar. Nós passamos uma declaração em como não vemos inconveniente em que a pessoa se matricule na embarcação como observador desde que tenha seguro», explica Lídio.
Na Caparica, os pescadores debatem-se com os problemas de todo o sector e reclamam de mais alguns. A pesca, muito apreciada pelos turistas, passou a ser proibida na frente urbana de praias. Quem apreciava a chegada das embarcações da xávega à Praia de São João ou do Dragão Vermelho passou a ter de se deslocar para lá do último esporão sul. «De 1 de Junho a 30 de Setembro só podemos pescar nas áreas não concessionadas entre o sul da Costa de caparica e a Fonte da Telha e só nos deixam entrar na praia às 18h30».
A «pesca do correcão» (feita com uma linha na praia), característica da Caparica, foi proibida. «Proibiram há quatro ou cinco anos alegando que o tipo de pesca – os anzóis são arrastados ao sabor da corrente por uma linha – colidem com os desportos radicais…» O Sindicato já propôs fazer a «pesca do correcão» de 1 de Outubro a 30 de Março num horário nocturno. «Era uma pesca que ajudava o pescador na época de mau tempo…»
Por último, há muitos pescadores da zona a operar no Tejo. «Sempre operaram mas as restrições no estuário são cada vez maiores por se tratar de uma zona de navegação. Eu tenho 65 anos, sempre conheci Lisboa como um porto comercial e nunca a nossa pesca colidiu com a navegação. As nossas redes são lançadas e ficam no fundo. Não vejo razão para a sobrecarga policial no Tejo nem para as multas de valores exorbitantes».
À frente da delegação do sindicato na Caparica, Lídio Galinho faz tudo o que pode para ajudar os pescadores. Assistiu ao longo da vida a desastres marítimos, à transferência dos pescadores de zonas centrais e nobres da Costa para áreas mais periféricas, aos altos e baixos.
«Procuro ajudar em tudo desde cédulas marítimas aos pagamentos à segurança social. Desde há dois anos que estamos também a escoar a cavala que era atirada ao mar ou ao lixo. Conseguimos negociar com empresas espanholas que a compram para alimentar atum em cativeiro», diz.
Actualmente, a zona da Caparica conta com 12 barcos de arte da xávega. “Há um com um problema na justiça, quatro na Aldeia do Meco e um da Fonte da Telha a operar em Lagos”.
O próprio Lídio continua ligado à pesca da xávega. “Tive um problema grave de saúde e tive de abrandar mas ainda sou arrais de terra da embarcação “Tubarão”. E tenho dois filhos na pesca”.
A xávega, no entender de Lídio Galinho, é para continuar. «É uma tradição que tem passado de pais para filhos e está para durar. Recentemente foi criado um grupo de estudo a nível governamental. Gostávamos que a Caparica, dada a tradição e o número de barcos pudesse ser classificada a capital da xávega».