Sobre a morte de Thatcher
Na tradição jornalística, chama-se “crocodilo” à peça que se escreve sobre a morte de alguém, normalmente ainda antes dela acontecer. Nesta semana pudemos ler sobre a morte de Margaret Thatcher.
Se Thatcher, juntamente com Reagan tiveram durante a sua vida – longa vida política – reações fortes, ainda agora, essas divergências continuam.
Pessoalmente, continuo a ficar surpreendido pelas reações tão favoráveis, agora que já se conhecem e sentem os resultados das políticas que estas duas personagens implementartam, nomeadamente as que sofremos devido à desregulação do sistema financeiro, apresentada na altura como um novo impulso do capitalismo. Hoje podemos ver que quase acabou com ele.
Pelos vistos, como seria de esperar, as pessoas já não se recordam do que foram os “Yuppies” e a sua arrogãncia, já não se recordam daqueles que na altura – mesmo não sendo de esquerda – avisavam que aquele exagero não podia ter bons resultados.
Agora, que estamos a braços com os resultados, ainda se fala da coragem destes líderes, sem analisar o conteúdo dessa coragem? Ainda se fala da determinação, sem se ter em conta o objetivo dessa determinação e principalmente os seus resultados?
Hoje, quando a própria Igreja junta a sua voz à crítica a estas políticas que anularam o respeito mais básico pelo ser humano, a dimensão humanista e solidária que a política tem o dever de ter sempre, mesmo assim ainda se incensam esses conceitos vazios? Ainda há quem aplauda a determinação e força?
Na dicotomia esquerda/direita, onde ficou a herança da democracia cristã, da direita solidária? Só haverá esta forma de recusar o coletivismo? Continuaremos condenados a estas estratégias em que temos de engolir sapos para não engolir outros sapos? Não haverá outros caminhos? Evidentemente que sim.
Não só existem outras formas de recusa do coletivismo sem passar pela irresponsabilidade da finança perante a sociedade na qual se apoiam, como também existem outras formas de se afirmar o não coletivismo sem passar pela visão restrita às elites auto consagradas que consideram o resto da sociedade como cenário e figurantes. De resto, esta visão é comum entre uma certa esquerda e uma certa direita, a diferença está nessas elites, que no caso da esquerda é a dos comissários enebriados pelo culto da personalidade, e no caso da direita pela elite dos poderosos da finança e da heráldica.
Pelos vistos, nem uns nem outros levam a democracia a sério, só a referem como figura retórica, demagógica e populista. Porém, esse caminho só pode trazer maus resultados, mesmo que no presente possa dar alguma ilusão de vitória. Num mundo globalizado, onde a informação circula com rapidez mesmo onde se tenta contê-la, o famoso movimento pendular é inexorável: num determinado momento, as coisas parecem favorecer determinado campo, mas se não existe equilíbrio, depressa o pêndulo se moverá – com semelhante exagero – para o outro.
Thatcher defendia que o consenso era uma forma de fazer aquilo em que ninguém acreditava, que o melhor era agir segundo as suas convicções. Era, no fundo, uma forma de surdez às razões dos outros e, sobretudo, uma forma de cegueira ao que a realidade – e a história – nos dizem.
Thatcher morreu. Mesmo?