Teresa Palma Fernandes

 

Encontrar palavras para imaginar a Costa da Caparica em 2030 foi o desafio lançado pelo Projecto Gandaia e vou assim “futurar”, abordando vários aspectos, todavia ancorados no passado e no presente.

O viver nesta localidade há mais de quarenta anos permitiu-me acompanhar um crescimento urbanístico desanimador, no sentido de uma descaracterização irreversível desta povoação de origem piscatória, em que os bairros dos pescadores e as vivendas dos banhistas constituíam um conjunto harmonioso.

No entanto, seria injusta se não referisse estruturas de que, ao longo do tempo, a Costa foi beneficiando, como escolas, estradas e melhoramentos ao nível de saneamento básico.

Será que no futuro o planeamento urbanístico terá a qualidade que a Costa da Caparica merece? Em 2030, deixarão de existir bairros clandestinos? Terão habitação digna as pessoas desses bairros?

O caminho que se tomará irá no sentido da Costa da Caparica ser uma cidade amiga do ambiente?

Se sonhar com um planeamento ambiental eficiente posso imaginar ruas e passeios bem cuidados e limpos, muito mais ruas pedonais, limpeza eficiente das praias, com o devido reforço no Verão.

Mas, ligado às boas memórias e vivências, gosto de imaginar que em 2030 circulará, novamente,  pela Costa o pequeno comboio que outrora existiu e que era a delícia de miúdos e graúdos, bem como o maravilhoso Transpraia  percorrendo todo este longo areal.

Gostaria que existissem ciclovias e acesso fácil a bicicletas de modo a proporcionar bons passeios.

E de uma forma utópica, por que não o aparecimento de um projecto que permitisse energia eléctrica limpa e renovável a partir das ondas do mar?

O património natural de eleição que a Costa da Caparica possui, conheço-o e maravilha-me desde criança. Lembro-me de caminhar muitíssimo no areal (quase 1Km?) para chegar ao mar, mas consta que, por extracção de areias do estuário do Tejo, houve um desequilíbrio que teve como consequência o avanço do mar e o desaparecimento preocupante de areias, o que ainda hoje acontece. Contudo, ainda há muita e excelente praia e espero que em 2030 continue a fazer as delícias de quem a procura.

As Terras da Costa e a Arriba Fóssil constituem uma paisagem bela e imponente e são muitas e boas as recordações de infância, desde os passeios de bicicleta, às burricadas e às escaladas arriba acima – arriba abaixo.

Gradualmente começaram a estar ameaçadas pelo aparecimento de construções, que foram surgindo, aqui e acolá. No entanto, o estatuto de Paisagem Protegida têm-nas salvaguardado, em parte, do apetite imobiliário.

Desejo que em 2030 haja uma consciência muito maior da necessidade de preservação de todo este território e que as Terras da Costa continuem a produzir os seus bons e saborosos produtos hortícolas, quem sabe se nessa altura através de técnicas de agricultura biológica.

No aspecto social, as estruturas existentes na Costa da Caparica, (realço as ligadas à Igreja), para atender problemas diversificados a esse nível, tentam dar respostas, mas é plausível que, mediante tantos casos, fiquem à quem do desejado, por falta de condições e meios que permitam chegar a bom porto.

Será que em 2030 teremos uma cidade amiga dos idosos? Com bons apoios comunitários e serviços de saúde, possibilidade de participação cívica, espaços de lazer, passando pela comunicação e informação?

Se penso em cultura, o deserto cultural tem sido uma realidade nesta terra, atravessado até meados do século XX por algumas manifestações culturais populares das quais persistiu até há poucos anos o Rancho Etnográfico da Costa da Caparica, restando hoje apenas a comemoração do S. João.

Mais tarde, surgiram dinâmicas interculturais, nos finais dos anos 90 e primeiros anos de 2000, que procuraram oferecer mais educação, formação numa perspectiva de valorizar e entrecruzar diferentes culturas existentes nesta terra, como a da população de origem, africana, brasileira, de países de leste, entre outras.

Vivemos até agora, numa cidade sem um espaço vocacionado para o desenvolvimento cultural da população, a título de exemplo, não temos uma biblioteca, estrutura tão necessária para desenvolver o gosto pela leitura.

No presente, há um horizonte de esperança na Costa da Caparica, que desejo ver projectado para além de 2030, com vontades que se uniram à volta de um projecto designado por Gandaia e que se propõe criar uma dinâmica de intervenção cultural polifacetada de qualidade, com espaço próprio, um excelente Auditório.

Desejo as maiores felicidades para os mentores e colaboradores envolvidos no Projecto Gandaia e desejo ainda que em 2030 continuem de pedra e cal!

Faz todo o sentido recordar um poema de Sebastião da Gama (1924-1952):

 

O sonho

Pelo sonho é que vamos,
comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não frutos,
pelo Sonho é que vamos.

Basta a fé no que temos,
basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
com a mesma alegria,
ao que é do dia-a-dia.

Chegamos? Não chegamos?

– Partimos. Vamos. Somos.

Sebastião da Gama

 

 

Pelo sonho é que vamos – Sebastião da Gama

http://www.youtube.com/watch?v=fua3hxCspks

 

Notícias da Gandaia

Jornal da Associação Gandaia

One thought on “Teresa Palma Fernandes

  • 25 de Abril, 2012 at 1:19
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    Bonita reflexão. Ter confiança é importante!

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