Terminal portuário na Trafaria é um interesse nacional?
Publicamos aqui um artigo de Paula Chainho, da Liga para a Protecção da Natureza/Centro de Oceanografia, publicado originalmente no Setúbal na Rede (clique aqui para ler).
O recentemente anunciado projecto para implantar um terminal de contentores na Trafaria inverte toda a lógica de pensar o ordenamento do território em convergência com os interesses nacionais.
O Governo propõe a transferência das operações de contentores de Lisboa para a Trafaria, com a justificação de a profundidade das águas nessa localização permitir receber navios de grande porte. Mas fica por explicar toda a lógica de aumentar o volume de mercadorias contentorizadas na região de Lisboa. Todo o investimento que tem sido realizado no porto Sines, enquanto porto de águas profundas, pressupunha uma estratégia nacional de centralização da entrada de mercadorias através deste porto, sendo os restantes portos direccionados para as importações/exportações da respectiva região.
Nesse contexto faria sentido todo o investimento efectuado ao nível das acessibilidades rodoviárias ao porto de Sines e as previstas para acessibilidade ferroviária. Tendo em conta que as acessibilidades ao porto da Trafaria são insuficientes para um projecto da dimensão do que é proposto, avançar com esta proposta significa um investimento elevado em novas acessibilidades para escoamento das mercadorias e, eventualmente uma nova ponte sobre o Tejo, uma hipótese posta de parte quando se discutiram os impactes ambientais da Ponte Vasco da Gama.
Não se percebe a coerência destas decisões, que parecem depender de interesses locais, numa altura em que o Governo centralizou e fundiu grande parte das instituições públicas, como foi o caso das Administrações de Região Hidrográfica, passando todas as decisões sobre a gestão da água para a Agência Portuguesa do Ambiente. Em contraste, as Administrações Portuárias mantêm a sua autonomia para regular o funcionamento do respectivo porto nos seus múltiplos aspectos de ordem económica, financeira e patrimonial, criando assim abertura para a competição entre portos. Onde está a lógica do interesse nacional?
Se este projecto levanta questões quanto aos benefícios do ponto de vista do desenvolvimento económico nacional, ainda levanta mais dúvidas em relação aos impactes ambientais das alterações previstas. A circulação de navios de grande porte requer a execução de dragagens frequentes, que alteram toda a hidrodinâmica estuarina e re-suspendem poluentes acumulados nos sedimentos, podendo originar problemas de qualidade da água. Para além disso, as operações dos próprios navios implicam libertação frequente de metais pesados e óleos para a área envolvente.
O aumento do tráfego marítimo acarreta ainda um acréscimo dos riscos de introdução de espécies exóticas provenientes de outras partes do mundo, uma vez que estas viajam nos cascos dos navios e nas águas de lastro, que são descarregadas para assegurar a estabilidade dos navios. Considerando a aposta no turismo na faixa costeira, que tem sido efectuada na margem Sul do Tejo, em particular no município de Almada, este projecto representa uma alteração significativa a essa opção estratégica, uma vez que implica uma degradação ambiental e paisagística da área.
O estuário do Tejo foi sempre uma área de conflito de interesses, requerendo um exercício de planeamento cuidado da compatibilidade entre as várias actividades pelo que, a proposta de uma nova zona portuária de grandes dimensões requer uma avaliação prévia muito mais cuidada da que parece ter ocorrido até agora.