O Alentejo Aqui Tão Perto!

Ao que parece a quinta-feira é um bom dia para cantar o… Alentejo!
O Notícias da Gandaia quis dar voz à tradição e visitou os ensaios de dois grupos corais alentejanos, um feminino, o outro masculino, no concelho de Almada: a Associação Grupo Coral e Etnográfico Amigos do Alentejo do Feijó e a  Associação das Cantadeiras de Essência Alentejana.

 

Canto de Mulher Alentejana

 

“Mandei a saudade embora, mandei-a pela janela, vou lá fora buscá-la, já tenho saudades dela”, é um verso da moda Lindo Ramo Verde Escuro que fica no ouvido. Mas a entrega de quem a canta só chega momentos depois de se dar início ao ensaio semanal da Associação das Cantadeiras de Essência Alentejana.

O grupo coral reúne-se todas as quintas-feiras das 18h00 às 20h00, na sua sede no edifício do Centro Comercial Rainha Santa Isabel, nas Barrocas, Cova da Piedade. Aqui o cante alentejano tem unicamente voz feminina, através das 20 mulheres que o constituem. A música, que tem o poder de nos transportar por memórias e emoções, neste caso é também indissociável das raízes do Baixo e Alto Alentejo, e das origens de cada cantadeira. E neste grupo coral as memórias viajam entre os 54 e 75 anos. Embora três destas mulheres não tenham raízes alentejanas, sentem igualmente o Alentejo no cante. Alzira Paiva, o elemento mais antigo do coro, admite: “Sou de Lisboa, não tenho família alentejana, não canto com sotaque, mas se arrastam a voz eu arrasto também”. Veio há cinco anos pela primeira vez, por intermédio duma amiga, e aqui espera continuar outros tantos.

Menos um ano tem Nazaré Avó, a coordenadora do grupo coral. Com uns encantadores olhos claros, não deixa transparecer a idade, apesar de já ser avó e bisavó. Talvez por isso tenha sido escolhida para participar no vídeo Era Eu, dos D.A.M.A, com o seu marido, como personagens principais de uma história de amor. A sua relação com o cante vem “desde sempre”, apesar de ser natural de Borba, zona mais dada à cultura das Saias, dança típica do Alto Alentejo, que considera menos indolentes que o cante. “As raízes do nosso Alentejo, a saudade, a paz” fazem suspirar Nazaré. Residente em Almada há 55 anos, foi sócia-fundadora da Alma Alentejana, centro cívico no Laranjeiro, onde, em 2005, foi criado o grupo Cantadeiras da Alma Alentejana. “Como havia muita mulher alentejana que sabia cantar, nós começámos a pensar e formámos o grupo”. Há cerca de quatro anos, sentiram necessidade de se formar como associação e constituíram a Associação das Cantadeiras de Essência Alentejana.

Nas actuações, é com o traje de passeio que se apresentam. Cantam entre cinco a sete modas, mais que isso já se torna aborrecido para o público, admite Nazaré. Têm algumas modas dançadas, como Trigueira de Raça, que hoje aqui ensaiam, balançando o ligeiramente o corpo para marcar compasso, Ceifeira de Canudos de Cana, moda de que não prescindem, e Canto da Mulher Alentejana, que versa assim: “ao ouvido lhe parece que a vida tem mais beleza”, também integram o reportório de hoje.

Quando o cante alentejano foi classificado como Património Cultural e Imaterial da Humanidade, pela UNESCO, em 2014, a coordenadora do grupo coral garante que “foi com muita alegria que fomos ao aeroporto de Lisboa receber os cantadores que representaram o cante em Paris”.

A Associação das Cantadeiras de Essência Alentejana desenvolve, semanalmente, uma oficina de cante na Escola Feliciano Oleiro, em Almada. Para além disso, “três dias por semana temos as turmas das professoras que aderiram ao cante e temos ensaio com meninos de todas as turmas da mesma escola”. A recepção dos mais novos é positiva, acredita Nazaré Avó. Nestas alturas vestem os trajes de trabalho, como ceifeira, aguadeira, azeitoneira, mondadeira, “e como somos só mulheres, muitas vezes também nos vestimos de pastor, isto é também uma maneira mais didática de os incentivar a gostar do Alentejo”.

Há cerca de dois meses que o grupo coral recorre a uma técnica, Irina Grelha, que assiste aos ensaios e ajuda na colocação de voz. Com três CD gravados, em Novembro deste ano pretendem lançar um CD/DVD a que darão o título Essência. Em Junho actuaram no Solar dos Zagallos, na Sobreda, na Rua Cândido dos Reis, em Cacilhas, e no Centro Paroquial da Costa da Caparica. Nas apresentações que fazem no concelho têm o cuidado de não repetir o reportório para o público ouvir modas diferentes. Castro Verde e Castelo de Vide também estão marcados na agenda para este mês. Se espetáculos não lhes faltam, animação também não. Quando o grupo participa em actividades e eventos culturais fora do concelho, Nazaré garante que “a festa está sempre feita, faz-se no caminho e no regresso”.

“Não queremos homens em cima do palco”, brinca Nazaré Avó. Apesar de aqui só as mulheres terem voz, os maridos das cantadeiras acompanham-nas sempre que podem em festas e feiras. Joaquim Avó, marido de Nazaré, faz parte da direção do grupo e trata das questões de agendamento e logística das actuações. O ano passado contaram com o apoio da Câmara Municipal de Almada, através de subsídio para o traje e divulgação do cante por este grupo coral que tem como objectivo promover e preservar esta identidade cultural e o cancioneiro alentejano, por todo o país.

O ensaio de hoje termina com toda a gente à volta duma mesa recheada de pão, queijos e vinhos alentejanos, entre outros petiscos, por ocasião do aniversário da dona Chica, uma das cantadeiras. Contagiados pela essência alentejana que aqui se respira, parte-se com a sensação que apesar de estarmos em plena Almada, o Alentejo veio até nós.

 

Alentejo e Almada de Mãos Dadas

 

No passado dia 2 de Junho actuaram no 31º Encontro de Cantares Alentejanos do concelho de Almada, junto ao Complexo Municipal de Desportos do Feijó, com outros grupos corais. Uns dias antes, ainda na rua, a caminho de mais um ensaio, no Clube Recreativo do Feijó, já vão a cantar. É aqui que todas as quintas-feiras, das 21h00 às 22h30, se reúnem os 30 elementos do Grupo Coral e Etnográfico Amigos do Alentejo do Feijó.

 

“Ó Águia que Vais tão Alta”, “Que Inveja Tens Tu das Rosas”, ou “É na Cidade de Almada”, são algumas das modas ensaiadas aqui, hoje, e que podem ser ouvidas no CD/DVD do grupo, Alentejo e Almada de Mãos Dadas. A maior parte são modas do cancioneiro alentejano, embora já tenham sete originais da autoria de um dos membros, José Borralho.

“Foi na cidade de Almada; que encontrei, minha guarida; Eu chamei a minha amada; e refiz a minha vida”, canta o coro em uníssono, orientados por Manuel Goilão, de 59 anos, natural de São Matias, em Beja. Sempre na linha da frente, é ele quem dirige as três fases da moda, que começa com o ponto, a seguir entra o alto e por fim o coro. Voltou há seis meses como ensaiador do grupo e reconhece: “estes gajos cantam bem, homêm!”. Antes de escutarmos a pujança das vozes masculinas, que se fazem ouvir até do exterior do clube, conversámos com três dos elementos responsáveis pela existência e continuidade deste grupo etnográfico, que faz um elogio à cultura do povo alentejano.

José Ramos, 68 anos, natural de Serpa, é o Presidente da Direcção. Integra o grupo coral há 32 anos, 20 dos quais como mestre/ensaiador, função que delegou a outra pessoa, pois pretende “desempenhar a tarefa da presidência da melhor maneira.” Embora o Grupo Coral e Etnográfico Amigos do Alentejo do Feijó, que antes pertencia ao Grupo Recreativo do Feijó, exista há 33 anos, como Associação leva apenas 11 primaveras. Matias Martins, 65 anos, natural da serra de Serpa, fundador do grupo explica-nos o porquê desta mudança: “Embora pertencêssemos ao Clube, toda a estrutura organizada era nossa, como sempre tem sido. A dada altura, como os subsídios da CMA vinham para aqui e não chegavam ao nosso destino à velocidade desejada, a forma que nós encontrámos foi transformarmo-nos em associação.” O presidente completa, “agora estamos aqui e pagamos a nossa quota como se fossemos autónomos”.

Cantar o Alentejo

Com uma faixa etária que ronda os 67 anos, o grupo coral tem idades que vão dos 35 aos 88 do elemento mais antigo, também ele sócio-fundador. De forma mais ou menos directa, todos têm raízes alentejanas.

O traje etnográfico veste 17 figurinos, os ceifeiros em maior número, “porque é o traje mais barato” brincam. O pastor, o cabreiro, o moço do monte são algumas das representações, cada elemento tem o seu figurino e não o troca. No Inverno juntam-lhe o capote, claro está. “Em 33 anos de grupo coral, temos 1268 actuações, entre as quais o Centro Cultural de Belém e a Casa da Música, no Porto” onde foram o primeiro coro alentejano a cantar, orgulha-se José Pereira, Presidente do Conselho Fiscal. Natural do Redondo, tem 77 anos, canta no grupo há 29 anos, e entende esta herança musical como “a paixão do povo alentejano”.

O Grupo Coral e Etnográfico Amigos do Alentejo do Feijó tem, em média, entre 36 a 43 actuações anuais, onde se apresentam ao público com cerca cinco modas no máximo, embora haja excepções, como aquela vez no Fórum Municipal Romeu Correia, onde cantaram 18. “O nosso grupo acaba por ter prestígio porque nós cantamos há 33 anos, de forma que as solicitações são bastantes, mas não podemos ir a todas”, admite o fundador.

Para se fazerem ouvir pelo país, precisam do apoio da Câmara Municipal de Almada. “A nossa falta de dinheiro é que faz com que tenhamos de andar sempre a mendigar o transporte, que é o nosso grande problema”, confessa Matias. Para se ter noção, o Presidente dá um exemplo “em 14 transportes solicitados na C.M.A. o ano passado, só nos facultaram quatro, por isso gastámos cerca de 3700 euros em deslocações”. E, para as actuações de Junho, em Barrancos e na Granja, foram mais de 500 euros pelo autocarro que os levou a cada destino. Até agora as verbas ainda têm aparecido, mas sem a ajuda da C.M.A., vêem-se obrigados a recusar algumas. “Estamos em crer que se vier mais algum convite, temos de parar”, no entanto, garante, “temos feito das tripas coração para satisfazer sempre os pedidos que nos têm feito”.

Divulgar o cante

O presidente admite que a Associação Grupo Coral e Etnográfico Amigos do Alentejo do Feijó não teve até hoje qualquer benefício com a classificação do cante alentejano como Património Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO “Em termos monetários ou logísticos não nos veio fornecer nada, mas nós continuamos a contribuir em reuniões e com o nosso cante”. Filiados n’A Moda – Associação do Cante Alentejano, que integra cerca de 60 grupos corais, vão sempre havendo eventos onde fazem “esse intercâmbio cultural do cante alentejano, a que nós também chamamos a salvaguarda do cante alentejano”, explica o Presidente José Ramos.

“Este espaço já começa a ser pequeno para nós, temos aqui um museu farto de peças, o nosso desejo era que estivesse exposto ao público e não encaixotado como está, porque assim não tem visibilidade nenhuma”, confessa José Ramos. Esperam que esta situação se altere. “Há uma ideia, já estamos a trabalhar nela em conjunto com a C.M.A., e as coisas estavam bem encaminhadas até sair o antigo executivo, pelo que agora é só dar continuidade. Vamos ver quanto tempo vai demorar”. A Sala de Chá, na Biblioteca e Centro Cívico Feijó seria o espaço pretendido para fazer a Oficina de Cante. “Aquele espaço tanto seria para nós como para as turmas do 2º, 3º e 4º ano, que já aprendem o cante em várias escolas do concelho.” Para Matias Martins, o grande objectivo da oficina do cante é que “além de melhorarmos a nossa condição, seria também dar uma melhor continuidade às coisas no tempo, criar algumas dinâmicas a ver se outras pessoas ganhavam entusiasmo”.

O fundador que define o cante alentejano como “o cante da planície”, lembra como tudo começou. “Foi um piquenique anual dos amigos da serra de Serpa que esteve na origem do grupo, com a procura de uma ‘malta para cantar’ na ocasião. Com palco improvisado numa carrinha de caixa aberta, assim começaram, ainda como grupo misto, e gostaram tanto do resultado que fizeram a proposta ao clube do Feijó. “Quando o grupo começou a ensaiar a sério passou a ser só de cavalheiros”, não foi uma posição tomada, “não quer dizer que mais tarde não fosse mais fácil angariar senhoras, mas nós já estávamos talhados para ser assim”.

O último a ingressar este grupo foi o senhor Valentim. “Precisamos cantadores”, apela o Presidente. Caso o leitor seja um potencial interessado, é só deslocar-se à sede do grupo e fazer uma audição. “Canta uma moda, ‘Eu Ouvi o Passarinho’ ou ‘Ó Rama, ó que Linda Rama’, em frente dos restantes elementos, para ver se tem alguma afinação, que é a coisa mais importante”.

O mais importante é também não deixar morrer tradições, pois “as raízes são tão profundas que nós estamos aqui, uns a 300, outros a 400 quilómetros da terra e não deixámos que este ‘bichinho’ morresse”, reforça o Presidente. E pode-se dizer que estes amigos fazem por cultivar as suas, à boa moda alentejana!

 

 

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