As ilhas à esquerda já pertencem ao arquipélago japonês

A China Formosa

As ilhas à direita já pertencem ao arquipélago japonês

O brutal impacto do sismo que recentemente atingiu Taiwan fez-me recordar as minhas múltiplas visitas à ilha, que tanto prazer me deram, confrontando-me com a imensa complexidade da sua realidade.

Taiwan é uma ilha com 394 km de norte a sul e 144 km de Este para Oeste. Tem uma área de 36,197 km2, comparando com Portugal continental, com os seus 88 889 km2  e 551 Km de norte a sul e uma média de 220 km de este para oeste, dá para concluir que é bem mais pequena que o nosso pequeno país. Mas maior que a Bélgica…

A primeira grande diferença, é que em Taiwan vivem quase 24 milhões de almas, mais do dobro que em Portugal (e na Bélgica).

Viajando pela auto estrada que une a sua capital Taipé à grande cidade do sul Kaohsiung, capital industrial, é raro o intervalo na paisagem urbana. Casas e mais casas de uma ponta à outra.

Kaohsiung é um enorme porto e um aglomerado industrial de primeira grandeza, não só da ilha, como de toda a Ásia, onde a competição é imensa. É aqui a sede das suas fábricas de motores, que animam não só as marcas de motorizadas tão populares entre nós, como a Sym e a Kymco, mas que contribuem com motores e montagens para muitas outras marcas e não só de motorizadas.

Para quem visita Taiwan pela primeira vez é de imediato confrontado com a evidente mescla – difícil de compatibilizar – entre a influência japonesa, não só no edificado, mas também no estilo de urbanização, a óbvia identidade chinesa e a quantidade de automóveis americanos a circular, viaturas de dimensões inesperadas numa ilha tão pequena e de tão condensada presença humana.

A ilha tem um maciço montanhoso muito elevado – chega a ultrapassar os 3600 metros – que divide a ilha na planície mais densamente povoada da costa este e uma estreita faixa com apenas três cidades, uma das quais, Hualien,foi a mais duramente atingida por este sismo.

A Garganta de Taroko

Hualien é a foz do desfiladeiro de Taroko, uma obra titânica de ligação entre os dois lados da ilha. Também esta estrada, propriamente escavada a escopro e martelo nas margens do rio Liwu, cujas obras tiveram início ainda durante a ocupação japonesa e o regime atual da ROC (Republic of China).

Devido ao forte impacto deste sismo, apesar de ainda não se ter uma imagem clara dos estragos, já se sabe que foram muitos. A autoestrada Provincial 8 terá decerto que sofrer profundas obras de reconstrução. Uma grande perda para o Parque Nacional de Taroko.

Taiwan situa-se no encontro de duas placas tectónicas: a euroasiática e a das Filipinas. É parte do tristemente famoso Anel de Fogo do Pacífico, que apanha as margens asiáticas e sul americanas deste oceano e onde se produzem 70% da atividade sísmica do planeta.

A população de Taiwan foi-se estabelecendo ao longo dos últimos séculos com a expansão, lenta e gradual proveniente da província chinesa de Fukien, origem do dialeto local da ilha.

No fim da guerra civil que se produziu após a derrota do Japão em 1945 e a posterior derrota de Chiang Kai Chek frente ao Exército Vermelho de Mao Zedong em 1948, a ilha foi literalmente invadida pelos seguidores dos chamados nacionalistas do partido Kuomintang que instituíram uma ditadura com lei marcial em 1949 que, supostamente, representava toda a China, assim reconhecida até à famosa visita de Nixon e Kissinger em 1972.

A tal “representação” implicava deputados de cada província de toda a China na Assembleia Nacional. É verdade que este governos e esta Assembleia tinha começado ainda na China. De resto, tal como o “Terror Branco”, a campanha de Chiang contra todos os opositores.

Em Taiwan, os anteriores habitantes, com a invasão de Chiang, passaram a minoria. Pior, uma vez que o regime impôs o mandarim como língua oficial, passaram também a analfabetos.

Verdade seja dita que, se recuarmos uns tempos mais, foi o que ambos fizeram aos verdadeiros nativos da ilha, que nada têm

Nativos aborígenes originários de Taiwan, anteriores aos chineses

de chinês, seja Han, Hakka ou outras etnias continentais. Provenientes de populações austronésias, foram ainda mais marginalizados (e dizimados) que os ditos “taiwaneses”. O seu número pode chegar aos 800 mil e são invisíveis, à exceção das aldeias turísticas, completamente fabricadas pela respetiva indústria de Taiwan.

Outro aspeto curioso é a sobreposição de três calendários diferentes. Além do ocidental, gregoriano, mais frequente por todo o lado, além do calendário lunar chinês, que regula as festividades quotidianas de todas as comunidades chinesas onde seja que elas estiverem, há ainda um calendário político que está presente nas notas do Novo Dólar de Taiwan e em diversos documentos oficiais.

Para este calendário, o Minguo, estamos atualmente no ano 113, pois toma como ano 0 a implantação da República que determinou o fim da dinastia Qing, elegendo o seu 1º Presidente Sun Yat-Sen, cunhado de Chiang Kai Chek.

As esposas, na verdade parte das irmãs Soong: a Mais Velha, a Mais Nova e a Vermelha, são celebradas em todas as comunidades chinesas, heroínas destacadas da importância vital do papel das mulheres. Apesar das aparências violentamente machistas.

A Irmã Vermelha, Ching-ling, casou-se com Sun Yat-Sen. A Irmã Mais Nova, May-ling, era a senhora Chiang Kai-shek, primeira-dama da China nacionalista pré-comunista e uma figura política por direito próprio. A Irmã Mais Velha, Ei-ling, era a conselheira principal não oficial de Chiang; tornou–se uma das mulheres mais ricas da China e fez do seu marido primeiro-ministro de Chiang.

As irmãs Soong

Já agora, sobre o 1º Presidente chinês, Sun Yat-Sen, um detalhe importante é a sua ligação a Macau, onde viveu algum tempo e manteve relações com a maçonaria portuguesa.

Coube ao filho do Generalíssimo Chiang, de seu nome Chiang Ching-kuo, após a morte do pai, tomar as rédeas da governação e, compreendendo – finalmente – os novos tempos, acabar com a Lei Marcial em 1987. É o seu primeiro ministro, Lee Teng Hui que acaba as fases para a democratização da ilha e acaba também com a representação de todas as províncias chinesas na Assembleia Nacional. Para desespero dos sucessivos governos continentais, que até aos nossos dias ameaçam Taiwan.

Temos sempre a ideia do futuro como uma progressão linear com o que conhecemos do presente. Mas não é, e Taiwan é um exemplo evidente disso.

O Kuomintang, o partido fundado por Sun Yat-Sen e depois liderado pelo Generalíssimo Chiang Kai Chek, que no passado lutou ferozmente contra as hostes comunistas e acabou refugiado na ilha, protegido pelos americanos, é agora o partido que mais próximo está da união com a República Popular da China.

Por outro lado, o atual partido mais votado, o Democratic Progressive Party (DPP), que iniciou a sua fundação advogando a independência de Taiwan e consequente formação de um novo país, só começou a vencer eleições quando deixou de agitar a bandeira da independência.

O DPP lidera uma ampla frente eleitoral, a Pan-Verde, opondo-se à coligação protagonizada pelo Kuomintang, a Pan-Azul, que advoga a aproximação à RPC.

Especialmente depois da integração de Hong Kong e de verem a forma como a China (não) honrou os acordos de manutenção do sistema, os taiwaneses mostram-se reticentes a unirem-se a esta RPC…

Esta retórica de união dos líderes da China Comunista, que é uma constante desde Mao Zedong, incluía bombardeamentos recíprocos diários. Sou disso testemunha.

Quando fui professor da Universidade de Shantou, mesmo junto a Fukien, ouvia, todos os dias à mesma hora, o tonitruar dos canhões.

Chiang Kai Chek, sentado, e o seu filho Chiang Chi Kuo, em 1948

No entanto, a realidade pode ser muito enganadora. É certo que se bombardeavam diariamente, mas quer um lado quer outro tinha delimitado uma área para ser fustigada pelas munições. Uma área despovoada, sempre a mesma, quer na RPC, quer em Taiwan.

Certa vez, por descuido, os canhões taiwaneses atingiram uma casa matando os seus ocupantes, fugindo assim do combinado. Imediatamente o governo da ilha propôs indemnizações. Fora um erro de um soldado, talvez vesgo, quem sabe.

A verdade é que Taiwan tem sido dos maiores investidores na RPC. Também é verdade que cada vez investe menos. Está atualmente nos mínimos históricos, quer devido à posição cada vez mais agressiva de Chi Jinping em relação a Taiwan, quer pela deterioração das relações da RPC com os EUA.

Porém, é inegável a solidez da riqueza e bem-estar da ilha. Presentemente, deve mais aos componentes informáticos, especialmente microprocessadores, à rede de transportes marítimos (Evergreen, etc.) e outros negócios do que à indústria pesada.

Isto acabou por determinar uma rivalidade muito substancial com a Coreia do Sul. Duas comunidades divididas e ameaçadas pela sua outra metade. No caso de Taiwan, chamar “metade” à República Popular é… figura literária.

A gastronomia taiwanesa é riquíssima. Herdeira da variada tradição chinesa, mas também da japonesa e muito aberta – tal como a economia – a todo o mundo, posso garantir que os viajantes não passarão fome e terão oportunidade de proporcionar autênticas celebrações ao seu palato. Seja quais forem as suas preferências.

Sala de Pachinko

Uma palavra final para a sua fixação no desporto americano de eleição, o baseball, com diversas equipas locais e legiões de fans. Diziam-me em Taiwan que se os americanos não chamassem de campeonato do mundo ao seu escalão principal exclusivamente estadunidense, se fizessem jus ao nome e permitissem mesmo equipas de todo o mundo, nunca mais ganhariam um campeonato.

Outra instituição incontornável é o Pachinko, jogo a dinheiro, claramente gerido pelas tríades – ou seitas, ou máfias – e que é impossível não despertar a nossa curiosidade. É um jogo mecânico, originário no Japão, mas que é familiar a todos nós, apesar destas versões já tecnológicas serem claramente orientais.

Trata-se de um jogo vertical em que uma bola (semelhante às dos flippers) é lançada no topo e, enfrentando diversos obstáculos acaba por cair numa posição que poderá, ou não, ter prémios, monetários ou não.

Há “lojas ”Pachinko” por todo o lado. Nas ruas, centros comerciais, no centro, nos bairros residenciais… É irresistível.

O Bin Tang, pastilha elástica de Taiwan

Outra originalidade está na denominada “pastilha elástica de Taiwan”. Trata-se do “Bin Tang” demolidor de qualquer dentadura, composto de três elementos: a própria noz de areca envolvida na sua folha e, exclusivamente em Taiwan, a inflorescência da planta Piper Betel (da família da pimenta): e uma pasta de cal apagada. Além do prejuízo nos dentes, como determina inúmeras cuspidelas, destrói os pavimentos também.

Finalmente, sim, os portugueses lá estiveram, nos idos de quinhentos, em busca do rentável comércio com o Japão. Pode ainda hoje ver-se por todo o lado nome que lhe atribuíram: Formosa. Mesmo por todo o lado: Café Formosa, Restaurante Formosa e até Pasteis de Nata Formosa.

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