Um Homem Inesquecível
Falar de Alípio de Freitas, um paladino da simplicidade e de quem há tanto para dizer, torna-se, para mim, uma tarefa extremamente difícil e, forçosamente, incompleta.
Na história da humanidade têm surgido, de tempos a tempos, homens e mulheres que se notabilizaram pelos seus feitos, sejam eles no campo da cultura, da ciência, da política ou outros.
Alípio de Freitas, humildemente, notabilizou-se, como poucos, no campo do humanismo.
A sua vida foi inteiramente dedicada à defesa dos mais fracos e mais desfavorecidos, procurando sempre minorar-lhes os sofrimentos, não pela via da caridade, mas aconselhando-os a enfrentar os problemas com firmeza e inteligência. Dizia ele: ‘ (os pobres) têm de saber que são pobres não porque Deus quer, mas porque as circunstâncias os fazem pobres’.
As injustiças sempre o indignaram e, com a coragem que lhe era natural, lutou contra elas e cedo se tornou incómodo para os poderes estabelecidos. O abandono do sacerdócio tornou-se, pois, inevitável mas ele, voluntarioso, disse: ‘perco um pequeno púlpito, mas ganho todas praças’.
A sua participação em sindicatos rurais no Maranhão e a criação das Ligas Camponesas conduziram o padre Alípio para uma actividade de cariz político.
Com o golpe militar de 1964, no Brasil, Alípio envolveu-se, decididamente, na luta contra os excessos da ditadura brasileira. Recebeu treino militar em Cuba, onde conviveu com Che Guevara e Fidel de Castro e regressou ao Brasil para ajudar a derrubar essa ditadura. Isso levou-o à prisão inevitável, onde foi sujeito a toda a forma de torturas, durante dez longos anos.
Mas a sua vontade inquebrantável de resistir levou-o a suportar tudo isso e a sobreviver.
Saiu da prisão graças aos movimentos de solidariedade que se formaram e em que a canção de Zeca Afonso, ‘Alípio de Freitas’, desempenhou um papel importante.
Regressou a Portugal e, em 1980, recebeu um convite para trabalhar em Moçambique num projecto de camponeses e num lugar onde ‘a fome era tanta que as populações comiam as sementes antes de as plantarem’. Aquela era a sua área de actuação, ele queria ajudar os desvalidos. Também escreveu o livro ‘Resistir é Preciso’, uma obra de referência na luta contra todas as ditaduras.
De volta a Portugal, vai trabalhar para a RTP como jornalista e faz parte da comissão de trabalhadores. Aí, juntamente com um grupo reduzido, envolve-se em vários projectos, dos quais, saliento apenas um, ‘A Caminho do Socialismo’, de parceria com Mário Lindolfo.
Alípio de Freitas foi acima de tudo um homem do sonho. Ele achava que a Utopia era possível e bateu-se por ela até aos últimos momentos da sua vida. A esse propósito quero contar uma história que ele me transmitiu com a sabedoria de um mestre, numa noite, já antiga, de Verão, no Alvito:
“Quero que saibas – disse-me ele apontando o céu estrelado – que os homens e mulheres solidários que lutam pela igualdade, contra a opressão e a discriminação, que acreditam num ideal, quando morrem transformam-se em estrelas, que podem ser vistas no céu, numa galáxia chamada Utopia.”
Pois bem, hoje, acendeu-se no céu mais uma estrela. Naturalmente, ela foi juntar-se àquelas outras estrelas igualmente luminosas que formam essa floração única no firmamento.
Agora eu sei, que sempre que te quiser ver, meu amigo, basta-me olhar para a estrela mais brilhante dessa galáxia e logo saberei onde estás.
Sempre a considerar-te
Meu grande amigo, Alípio de Freitas.
Reinaldo Ribeiro
13 de Junho de 2017
O meu abraço.