AGORA É ASSIM
AGORA É ASSIM
«A vida só é interessante enquanto há coisas para se descobrir e enquanto se acredita que modificamos o mundo, os outros e a nossa própria vida» António Pinto da França, in “ Em tempos de inocência”.
Muitas vezes tenho a sensação que escrevo para deixar no papel acontecimentos do passado, pedaços de história que podem, de um momento para o outro, perder-se sem ficarem registados.
Uma pressa de escrever aquilo que, daqui a pouco, não poderei fazer. Tenho também de aproveitar o tempo, o tempo em que ainda por cá andar, e tiver a companhia de pessoas, da minha idade e mais velhas, com quem possa confirmar os relatos e acontecimentos que ocorreram há muitos anos atrás e que não estão nos arquivos históricos, porque nunca foram escritos, e só existem na memória daqueles que os viveram ou presenciaram.
Eu escrevo no presente sobre o passado, mas vivendo, neste mesmo presente, com a felicidade e alegria possíveis. Já não faço muitos projectos para o futuro, por isso vivo o dia a dia, partilho, colaboro, ofereço aos outros a minha disponibilidade, o tempo livre e a abertura dos meus sentimentos, em trabalhos conjuntos, tanto científicos como de histórias de vidas, memórias, documentos fotográficos…sinto-me bem partilhando, ajudando, amando e deixando que seja amado.
Por vezes junto os meus pensamentos, de alegria ou tristeza, até de dor e tantas vezes de amor, em frases curtas, alinhadas de alto a baixo, a que chamo os meus poemas. É uma forma de me libertar, de viajar no tempo, até de fingir, como disse Pessoa. É a parte menos exacta, mais ficcionada, da minha escrita. Com o titulo “Os mais valentes” aqui segue um desses momentos: Os mais valentes/São os que enfrentam o mar/A fome e a guerra/E não param de lutar,/Os que não têm já sonhos/Porque não sabem já sonhar/De tanto sofrerem/Sem ninguém ajudar./Resta-lhes olhar o céu/E as estrelas a brilhar/E esperar, esperar, esperar.
A libertação total que encontro para escrever, exprimir sentimentos, caminhar às vezes na beira do precipício, desafiando a morte e vivendo a vida, num complexo jogo de palavras que, muitas vezes, só eu entendo.
Há momentos da nossa vida em que sentimos que os nossos passos se dirigem para onde não desejamos…parecendo que perdemos o rumo que sempre traçámos. As incertezas no caminho, ou no trajecto já muitas vezes percorrido, não nos deixam reparar e concentrar em coisas que vão surgindo de novo. As pedras, que se atravessam na nossa frente, podem vir a ajudar e, muitas vezes, damos um pontapé numa delas e aparecem as ideias novas. Dizia-me o meu amigo Fernando Marques isso mesmo: “Damos um pontapé numa pedra e surge uma ideia nova”. Numa destas caminhadas, não esbarrei em nenhuma pedra, mas veio-me a vontade de publicar esta pequena crónica que não pensava antes que seria publicada…ou será esta decisão a tal pedra que fez despoletar este gesto?
Termino com um pequeno poema do grande Miguel Torga: «Quando chegar a hora decisiva,/Procurem-me nas dunas, dividido/Entre o mar e a terra./Marujo e cavador, tanto me quer a espuma/Como a folhagem».
António José Zuzarte, Costa da Caparica, 5 de agosto de 2022.
Belo texto, amigo!