A Malhadinha
Fui encontrar mais esta relíquia no meu baú de recordações. Uma foto do fim dos anos 40, quando as minhas Tias deram a égua “Malhadinha”. Foi a minha montada de infância, sempre “em osso”, sem sela nem cabeçada, só com uma corda atada ao focinho ou ao pescoço, eu percorria os caminhos e as veredas de terra batida, em volta do Monte do Cimo da Aldeia, em Santo Amaro/Sousel.
O meu avô Zé Luís já tinha falecido em 1945 e a “Malhadinha” já estava velha. As minhas Tias resolveram oferecê-la aquelas duas ciganas, para com ela transportarem os seus parcos haveres ou talvez vendê-la por alguns escudos nalguma feira próxima. Como era hábito gostavam de registar, em foto, esses momentos que aconteciam, num passado onde poucos eventos aconteciam.
Os ciganos que percorriam os campos do nosso querido Alentejo, sempre nómadas e com as suas tradições bem arreigadas.
Meu querido Pai escreveu alguns poemas sobre eles que aqui deixo alguns versos: « CORO DOS CIGANOS. /Comprei uma égua rosilla / Numa feira de Sevilha / E que custou bom dinheiro…
Cigano, cigano caminheiro, / Profeta do sonho e das saudades, / No teu olhar arde louca chama, / Miséria que à noite faz a cama / Em tristes palheiros das herdades.
CIGANA. Eu leio nas feiras a sina / Em qualquer mão pequenina, / Pobre cigana, que Vida! / Só não leio a minha sorte / Pobre cigana, sem norte / Abandonada e perdida.».
Também lembro aqui o relevo grande que os seus membros atingiram, no campo das Artes, na vizinha Espanha. Na dança, no cante e no toureio houve, e ainda há, figuras grandes e de prestígio.
Transcrevo o que a Revista “Novo Burladero” escreve, no seu último número, sobre o matador de toiros Joaquin Rodriguez “Cagancho”: « Pode-se tourear, e bem, sem se ter sido parido por uma cigana, mas para tourear como o fez Joaquin Rodriguez “Cagancho”, com sentimento e cadência, necessariamente tem de se ser cigano.» in Toreria Gitana, de José Júlio Garcia.
António José Zuzarte, Costa da Caparica, 5 de Março de 2021.