As Grutas de R’Bat

Quarto ao fundo, sala de entrada… uma gruta T2

R’bat é um local vagamente turístico, graças a uma praia rochosa, que luta – tal como o nosso litoral – com a falta de areia. Na verdade, o que atrai os poucos turistas são as grutas. E, claro, os camelos para alugar.

Na localidade, muito pequena, há dois pequenos hotéis. Porém, a principal fonte de turistas são os autocaravanistas que estacionam no topo da arriba, olhos no mar e no voo ordenado dos ibis, partilhando o espaço com camelos, ou dromedários, e os inescapáveis mirones, arregalados pelos biquínis estrangeiros na praia.

Quanto às grutas, não são naturais, não foi Alá – na sua infinita sabedoria – que as criou. Nem o mar, na sua infinita paciência que as escavou. Não. Foram alguns dos locais, decerto os mais empreendedores, que as foi escavando com fins turísticos ou de usufruto pessoal ou familiar.

Conhecemos Rashid em Massa, a cidade mais próxima, a cerca de 10 Km para o interior, pela única estrada. Ele contou-nos como, pouco a pouco, foi alargando a sua gruta até obter um quarto, depois outro e ainda uma casa de banho e cozinha, com uma espécie de varanda esplendidamente aberta o mar.

Tudo alimentado a energia solar, que orgulhosamente nos mostra. “fui eu que montei tudo”, afirma, orgulhoso e exuberante. E chega? perguntamos incrédulos. Quase, responde.

“Tenho aqui uma paisagem que muda todos os dias!” diz Rashid empolgado, apontando com um gesto largo a sequência de ondas salpicando as rochas e marulhando na areia.

Conta-nos que era capataz numa das muitas empresas de estufas da região. “Enterrei aqui todas as minhas poupanças”, confessa, “mas não me arrependo”, conclui. “Ao princípio ficava em casa dos meus pais, em Massa, vinha aqui para trabalhar e quando tinha clientes. Agora é ao contrário, fico aqui e só vou para casa dos meus pais quando tenho clientes aqui”.

Com os olhos hipnotizados pelas ondas, acaba por confessar que a mãe, como todas as mães, preocupada pelo seu bem estar, lhe telefona pouco antes desta ou aquela refeição estar pronta e, ala até Massa para partilhar a janta com a família.

Os pais de Rashid vivem em Massa numa casa de dois andares, com um apartamento independente – o de Rashid – que alugam a turistas e outros, como por exemplo, voluntários de organizações evangélicas. Ou, neste caso, a nós.

Também esta família partilhava a simpatia e acolhimento que se encontra por todo Marrocos. Mostrou-nos o vídeo do casamento da filha, partilhou a sua história, ofereceu-nos o seu “amlou”, uma pasta de argão, amêndoa e mel para barrar o pão matinal e até o seu cuscuz de sexta feira.

A praia de R’Bat

Sem mais palavras, com um leve toque na porta, confirmou o seu zelo na tradição do cuscuz de sexta feira – um hábito de todo Marrocos – quando a mãe nos apareceu à porta com dois pratos, cada um com uma piramidal montanha de cuscuz, com verduras e alguma carne. A sexta feira é o nosso domingo em Marrocos, mas, sobretudo, é dia da celebração do cuscuz que une todas as pessoas em torno da gamela. Mesmo não marroquinos, mesmo não muçulmanos.

Massa é uma pequena cidade com muita gente. Várias escolas com imensas crianças que, a horas certas, inundam as ruas com alegria, movimento, algazarra, uma vaga de uniformes e camisolas de futebolistas famosos.

Comparar com Portugal é inevitável. Este número de crianças ou, no nosso caso, a sua ausência, faz-nos duvidar do nosso futuro. Ouvimos falar desta ameaça demográfica há décadas, mas as condições para um jovem casal ter filhos continuam péssimas. A começar na casa para os fazer.

O comércio é intenso e tem os seus picos distintos nas horas da manhã e no meio da tarde, após as horas do calor. Na rua principal há de tudo, desde caixões a panelas de tajine, farmácias e mercearias. Tudo muito bonito até nos aproximarmos do mercado, onde os aromas pestilentos de peixe podre nos aconselhavam, instantaneamente, a mudar de rumo e ganhar distância. O mais possível, rapidamente.

Longe do mercado, como seria de esperar, as pequenas esplanadas com o inescapável chá de menta com hortelã, abundam e atraem. Além do chá, o que nos faz pensar é o tempo, nomeadamente, o que cada um faz com ele, ou com a falta dele. Mas os dias têm 24 horas em todo o lado. Porque é que nalguns sítios, como Marrocos, há tempo para ficar na chalaça com os amigos e noutros sítios todos estão cheios de pressa?

Se compararmos as populações entre nós e os nossos vizinhos do sul, os seus 38 milhões de almas, aparentemente explicariam a afluência, mas densidade demográfica desmente, lá são 73 habitantes por Km2 e cá 112.

Já que estamos em maré de números, o PIB per capita português (em Paridade do Poder de Compra) é de USD$ 39 544 e em Marrocos é de USD$ 7 356.

E estes números são importantes, mas pessoalmente não sei porquê. Lá vou ter de telefonar ao Jorge Torres, meu amigo e intérprete de números, meu guia nestes escolhos que são claros, cristalinos e incontornáveis,, mas não para toda a gente.

Mas regressemos à praia de  R’bat e à gruta de Rashid. Embalados pelo oceano, o mesmo que nos embala em casa, esperamos pela tajine de mexilhão que o primo dele prepara. É também este primo quem dá cursos de pesca à linha.

São magnetos para os turistas. Diz Rashid que já recebeu grupos de 50 pessoas. Como? perguntámos olhando a exiguidade de meios em nosso redor. “Oh, alugamos tudo”, responde Rashid, “mesas, pratos, talheres…” e diz-nos a quem e onde.

É assim por ali. Os casamentos fazem-se em tendas enormes montadas na rua, com mesas, cadeiras, louça, talheres, potentes aparelhagens sonoras e até animadores congregados de diversas origens, numa sinfonia de redes de conhecimentos que ultrapassa distâncias.

Há uma comunidade com as suas forças, nem sempre amigáveis, mas de fácil orquestração. Tal como as ondas do mar, umas vezes revoltas, mas indo sempre rolar na praia.

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