Considerações sobre a História
A conversa daquele grupo de amigos, na tarde amena, girava à volta dos eventos que deixaram marcas na História.
Um deles dizia:
“Ao analisarmos os séculos infinitos que nos precederam vemos que os diversos ciclos que os compõem ficaram assinalados na História por factos memoráveis.
Muitas vezes, foi uma civilização que emergiu ou a aniquilação de uma outra; a ocorrência de um cataclismo de proporções inauditas ou a obra de um homem notável; guerras devastadoras ou uma descoberta impensável; construções arquitectónicas que estavam além do seu tempo e da compreensão humana; ou o surgimento de uma religião; o deslindar de mistérios de origem duvidosa ou divina; ou, ainda, o desaparecimento de uma espécie.
Enfim, são eventos que, pela sua importância, justificaram a sua catalogação, bem como aqueles, imponderáveis, ou seja, os que escaparam à vontade dos homens, mas que também fazem parte da cronologia histórica.
Na actualidade, podemos olhar para trás e ter conhecimento de tudo o que aconteceu e foi digno de registo. Umas vezes, sentimos orgulho nos trabalhos ciclópicos executados pelos nossos antepassados, outras, de sinal contrário, fazem-nos deplorar a sua existência, mas sabemos que, o seu conjunto, foi a argila com que se construiu a História, não só da humanidade, mas também do planeta que habitamos.”
Um outro, concordando com a argumentação anterior, acrescentou-lhe uma análise sobre o conceito:
“É verdade tudo o que dizes sobre a construção da História, mas eu penso que esta, no meu entender, se limita a ser um interminável e perplexo sonho das gerações humanas.
Vejo-a como uma sucessão de eventos, dos quais todos nós participamos, alicerçados em momentos indivisíveis, que estão fixos no tempo mas que são inapreensíveis.
Quero dizer com isto que, quando falamos da História, referimo-nos, em primeiro lugar, ao tempo e aos factos ocorridos nesse tempo. A patine acumulada desde a sua ocorrência oculta-nos ou deturpa-nos a verdade e as gerações posteriores vão ter deles conhecimento, em grande parte das vezes, somente como simulacros da realidade.
No entanto, também sabemos que se nada acontecesse não haveria tempo passado, se não houvesse acontecimentos, não haveria tempo futuro e se nada existisse não haveria tempo presente. Por isso, julgo que o tempo na nossa modernidade, este em que vivemos, é uma espécie de dialéctica entre o tempo da História e o tempo da nossa vida.”
O terceiro, depois de ouvir os amigos, disse:
“Nem a propósito de estarmos aqui a falar sobre este assunto, pois vou contar-vos algo que me aconteceu numa madrugada recente:
Acordei sobressaltado com a sensação estranha de ter saído de um pesadelo. Tinha a boca seca e amarga e uma pergunta única, insistente, martelava-me o cérebro: «Que fizemos nós?»
Não conseguia atinar com o motivo da minha perplexidade, pois não me recordava do sonho que a pudesse ter motivado. Demorei assim algum tempo até que, dias mais tarde, no meio de um caos feérico, e que nada mais era do que relâmpagos que iluminavam a escuridão do meu esquecimento, descortinei a razão da pergunta.
Naquele meu sonho, talvez premonitório em relação a esta nossa conversa, mas onde não existiam quaisquer elucubrações histórico-filosóficas, eu folheava, com deleite, os volumes de uma História Universal que tenho na minha biblioteca.
Via datas, nomes, locais, acontecimentos, registos, enfim, tudo aquilo que é a substância da História.
De súbito, pensei: Herdámos dos séculos anteriores toda a sua História, porém, será que este nosso tempo actual terá a capacidade de produzir passado?
E, no meu sonho eu vi, como se estivesse no futuro, que nada do nosso tempo tinha justificado ou assinalado uma simples linha nos livros de História. Surpreso, questionei-me sobre o que teria acontecido nesta época para que o esquecimento fosse o seu único legado?
E foi então que surgiu aquela pergunta: «Que fizemos nós?»”
Os seus companheiros limitaram-se a rir do seu sonho e do seu ar ainda preocupado.
Reinaldo Ribeiro
23JAN2019