O Meu Rouxinol
Transcrevo para aqui algo que me vai na alma. Uma sensação que me preocupa, que acompanha os meus dias e as minhas noites.
A escritora Elsa Triolet escreveu no seu livro, editado em Portugal em 1970, “O rouxinol cala-se ao amanhecer”, e eu identifiquei-me com algumas palavras suas que aqui vos deixo.
« O tédio que os velhos segregam vem essencialmente de que neles tudo está definitivamente definido, a sua biografia fixa, excluindo o imprevisto, ditando o pequeno futuro que lhes resta viver.»
«Tolstoi, quando partiu para ir morrer fora de casa, era de novo um adolescente. O sábio cujos trabalhos conduzem a uma descoberta no fim da Vida não têm idade.»
« Ah, que venha veloz a velhice
E para mim já não cante um rouxinol.»
«Uma vida inteira não era outra coisa senão muitas vidas uma após a outra, e a velhice era um destilado, uma essência de todas as vidas vividas e abandonadas». Como escreveu Romana Petri in “Case Venie”.
Alguém disse um dia «que nunca se acaba de ler, ainda que os livros acabem, tal como nunca se acaba de viver, ainda que a morte seja um facto certo.» Mas não vamos cruzar os braços e aguardar que ela chegue.
«Tenho um conceito dramático e romântico da Vida; não me toca o que não chega profundamente à minha sensibilidade», como escreveu Pablo Neruda.
«Durmo, durmo,durmo. Há uma canção antiga de Jacques Brel, Les vieux, que agora me ocupa muitas vezes a cabeça e que diz que os velhos não morrem, apenas dormem trop longtemps», como escreveu Henrique Monteiro in “Toda uma vida”.
Durmo mal durante a noite e passo muito tempo acordado. Penso no meu passado e recordo tanta coisa que já estava, mais ou menos, esquecida. Tenho vontade de passar tudo para o papel. Não quero deixar morrer tantos momentos vividos.
Vou escrevendo, dia após dia, o que me vai na Alma. «Não me apontem o rumo, que mais certeiro que todos é o que me segreda o coração», como escreveu Mário Cláudio in “O anel de basalto”.
Sinto agora que algo mudou. Conclui tarefas que estavam pendentes. Não sei se fico a dever isso ao Sol que tem brilhado durante o dia. São passos curtos mas que ajudam a encurtar a caminhada. Já me parece que ouvi melhor os sons da noite e os sonhos foram enriquecedores.
Ontem foi um dia especial. Foi dia de aniversário e houve surpresas. Desde uma rosa vermelha pela manhã até aos presentes pela tarde. A pequenina já sabe fazer bolo grande, coberto de chocolate e com morangos, para comemorar os anos da avó. Todos felizes.
Outro dia de Sol radioso. Partilho uma crónica e deixo alguém feliz. Se alguém fica assim eu também sinto que estou a cumprir a minha missão. Vou aguardar se há mais novidades. Parece que essa partilha espalhou felicidade. O mundo é muito pequeno. Surgiram surpresas que aqui confirmo.
Um domingo maravilhoso que parece Primavera. Uma Primavera que está a chegar e que me dá ânimo para continuar. Um dia de cada vez para construir algo com raízes. Mas o sonho é que comanda a vida.
Tudo isto, e só isto, mas ainda tenho outros sonhos que gostava que se tornassem realidade, mas o meu rouxinol já quase não o ouço cantar. Ouço mais as batidas do coração do que os seus gorjeios.
António José Zuzarte, Costa da Caparica, 18 de Março de 2021.
Companheiro e amigo
Que belo e profundo texto! Espelhas aqui, com uma claridade impressionante, o que te vai na alma num tempo em que mal se ouve o rouxinol cantar.
Ele deixa de cantar ao amanhecer, mas isso não impede que as manhãs surjam sempre radiosas.
Um grande abraço
Reinaldo