Um Elefante na Kissama
Estavam ainda distantes as modernas e turísticas viagens-safari às reservas de caça africanas.
Naquela época, embora já houvesse enormes áreas demarcadas como reservas para a preservação das várias espécies da savana, ainda não existiam quaisquer instalações para receber eventuais visitantes.
Todos os que queriam conhecer a exuberante vida selvagem na Natureza livre e intocada, teriam de o fazer por sua conta e risco.
Ele não tinha qualquer conhecimento físico da savana, pois a sua vida era passada na cidade e o pouco que conhecia tinha sido visto do alto, dentro de um avião, nos sobrevoos realizados em missões de observação sobre aqueles vastos horizontes.
Num fim de tarde, enquanto bebia umas cervejas com um amigo e comentavam, extasiados, a deslumbrante beleza do pôr-do-sol nas quentes terras de África, combinaram uma excursão de alguns dias a uma dessas reservas. Era a sua oportunidade para sentir o pulsar da vida animal no seu ambiente natural.
O sol acabara de despontar vitorioso, depois da eterna luta contra as trevas que o aprisionavam todas as noites. Os dois amigos, juntamente com as respectivas esposas e os dois filhos pequenos, terminaram de carregar o Land-Rover com tudo o que precisavam para passar alguns dias no mato, longe dos confortos da civilização, e deram início à sua aventura.
Foi, pois, com uma enorme alegria interior que ele viu o deslizar daquelas paisagens monótonas, porém gratificantes para o seu desejo de mergulhar a cabeça em atmosferas que os seus pés desconheciam. De quando em quando, uma acácia ou um embondeiro – testemunha silenciosa de todo o passado da savana – erguiam-se na planície, serena e nua como um lago.
As crianças dormiam com os solavancos do jeep que percorria, inalterável, as picadas abertas pelos animais. Os seus jovens pais, animados e ansiosos, perscrutavam o horizonte em busca da fauna que queriam ver e fotografar.
Depois de algumas horas de viagem, impôs-se uma pausa para descanso e para comer. Em volta, apenas capim amarelado e uns tufos dispersos de arbustos, mas, à distância, podia-se vislumbrar a mancha escura de um bosque. Foi para lá que se dirigiram.
O bosque era grande e estava sulcado por inúmeras picadas feitas pelos animais. Ele ia sentado ao lado do condutor e viu uma manada de elefantes, a uns duzentos metros. Pararam o jeep e ele, com a sua máquina fotográfica, avançou uns metros na picada para registar os primeiros animais que tinham visto.
No jeep, todos mantinham um silêncio absoluto e respeitoso. Ele, excitado, olhava a manada enquanto disparava a máquina por quatro vezes. Depois, satisfeito, virou-se para voltar para o carro.
Nesse movimento de rotação do corpo, o seu olhar deparou-se com um vulto enorme encoberto pelas árvores e arbustos, a escassos metros de distância. Ele teve dificuldade em compreender o que estava a ver e manteve-se imóvel até perceber que aquele vulto, muito mais alto do que ele, era o do elefante-guia da manada afastada.
Ficou absolutamente assustado, mas não podia demonstrá-lo para não enfurecer o animal que não tinha manifestado intenção de o atacar. Sem tirar os olhos do elefante foi-se afastando dele andando para trás, colocando um passo atrás do outro numa lentidão exasperante, como se estivesse em câmara lenta e sem fazer qualquer gesto mais brusco.
Quando, finalmente, chegou perto do jeep subiu para o degrau e sussurrou para o amigo: “Arranca!”. Todos estavam curiosos de saber o que tinha acontecido, mas ele só contou o que passou, ainda tremendo, depois de estarem bastante afastados daquele local.
Os seus primeiros passos no chão da savana que tanto o atraía tinham sido, afinal, uma experiência traumática, que ele jamais iria esquecer.
Reinaldo Ribeiro
11JUN2020