Rafeiro do Alentejo

O Rafeiro do Alentejo

A funcionalidade desta raça está vocacionada para actividades ao ar livre e não para viver como cão de companhia no espaço limitado de qualquer apartamento das nossas cidades.

A foto é do autor, quando criança e, em segundo plano, o seu “Leão”.

Transcrevo a seguir uma crónica que escrevi e foi publicada  em 1997 no Boletim da Associação dos Criadores do Rafeiro do Alentejo (ACRA), recordando os meus tempos de criança, num passado já muito distante, há cerca de setenta e cinco anos.

« O “Leão” era um bonito Rafeiro do Alentejo”, de cor acastanhada, que existia no “Monte” de meus avós maternos, por volta de 1942.

Recordo ainda hoje, embora fosse muito criança nessa altura, esses anos longínquos, em que eu brincava, tardes inteiras, com esse amigo, esse companheiro. Ele permitia todas as tropelias que os meus verdes anos me levavam a fazer. Que saudades desse tempo em que esse nobre e dócil animal permitia que eu o cavalgasse, lhe puxasse as orelhas e a cauda, o engatasse numa pequena carroça de madeira, como um pequeno burro pachorrento.

O Rafeiro do Alentejo é assim. Um cão de grande nobreza e com carácter tranquilo, que permite, mesmo às crianças, nele poderem confiar. O “Leão” era o amigo nas tardes quentes de verão, debaixo da sombra amena daquele freixo onde estava preso durante o dia. À noite, era solto para guardar, e então transformava-se num verdadeiro leão que defendia o “Monte” da aproximação dos intrusos. Nesse tempo não eram mais que os pobres “malteses”, que procuravam uma côdea de pão, um “faneco”, para matar a fome ou, no inverno, o buraco da “almenara”, na eira do “Monte”, com o seu aroma doce, característico da palha, e o seu calor que ajudava os pobres deste Alentejo de há cinquenta anos, a passarem algumas noites mais quentes e acolhedoras do que aquelas que passam os deserdados da sorte, homens e mulheres das ruas das nossas grandes cidades de hoje, dormindo pelos passeios em caixas de cartão ou tapados com plásticos.

Comecei a divagar e esqueci o “Leão” que não atacava esses “malteses” porque eles tinham o cuidado de se acercar do “Monte” antes do cair da noite, a pedirem a ceia, alguma açorda quente ou um gaspacho no verão, e a dormida, que nunca lhes era negada e, nessa altura, o “Leão” ainda estava preso.

Quando ao pôr do sol o soltavam, dava saltos de alegria, livre da corrente que lhe tirava a liberdade durante o dia. Mesmo solto não saia da zona circundante do “Monte”, era aí o seu território demarcado, que tinha que guardar, só se ausentando quando cadela com cio, talvez alguma Rafeira de “Monte” próximo, o chamasse ao dever da procriação, para que a raça não acabasse, e chegassem assim aos nossos dias, os descendentes do nobre “Leão”.

 

António José Zuzarte, Costa da Caparica, 15 de Outubro de 2017.

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