Reflexões Sobre o Insólito

No entardecer, claro e sereno, subitamente, sopraram ventos furiosos vindos de Oeste. Pesadas nuvens encastelaram-se reduzindo a visibilidade e encur­tando o horizonte.

Os relâmpagos cruzaram-se em todas as direcções iluminando o firmamento com uma luz de tormenta, logo acompanhados por ribombantes trovões. Um raio caiu muito perto do lugar onde ele se encontrava, tão perto que os pêlos do seu corpo se eriçaram e uma árvore atingida começou a arder fazendo tombar um dos ramos sobre um automóvel ali estacionado.

A violência da trovoada fê-lo estremecer. Estranhou o súbito tremor que sentiu, porque sabia que não era medroso e já tinha enfrentado momentos de pe­rigo durante a vida, não com coragem, mas com determinação. Porém, naquele momento, assustou-se. Ficou completamente paralisado, como se o raio, com toda a sua poderosa energia, o tivesse atingido em cheio e lhe tivesse volatilizado o pensamento e a vontade.

Surpreendentemente, e tão rápido como tinha começado, a tempestade terminou. As nuvens esfumaram-se no céu distante e os raios do sol voltaram a pintar as cores do pôr-do-sol, que se ia instalando com a suavidade própria de um belo dia de Verão.

Perplexo, e ainda tremendo, procurou acalmar-se tentando compreender o insólito fenómeno que tinha presenciado.

Os seus conhecimentos sobre as ciências meteoroló­gicas eram escassos e não o ajudariam. Se queria entender o que ali tinha ocorrido teria de procurar a resposta numa outra fonte ainda ignorada.

Foi quando um estranho pensa­mento ganhou forma e se agigantou no seu pensamento: seriam aquelas súbitas alterações climáticas uma metáfora da sua própria vida?

Parecia estúpido pensar tal coisa, porém, a ideia impôs-se de tal forma que ele se viu na obrigação de lhe prestar atenção.

Foi quando resolveu fazer uma breve retrospectiva da sua existência.

Reparou que tinha sido, desde criança, alegre, bem-disposto, como se a sua vida tivesse sido sempre luminosa. No entanto, houve um dia em tudo se precipitou com um inesperado acontecimento e ele viu-se desamparado no meio de uma tormenta.

Passou, a partir de então, a viver numa penumbra permanente ou naquilo que ele próprio definia como a sombra de si mesmo.

Afundou-se na tristeza, alimentada por memórias e angústias. Deixou de ter a vontade e a liberdade de sonhar com o futuro, e sequer de desfrutar os raros momentos de prazer que a vida, ocasionalmente, lhe proporcionava, chegando ao ponto de se sentir solitário no convívio com os amigos.

O tempo, imperturbável, prosseguia o seu curso e ele, que já caminhava abertamente na velhice, limitava-se a aguardar, com uma curiosidade indisfarçá­vel, o momento supremo da revelação daquilo que considerava ser a verdade ou o esquecimento infinito.

Mas, o destino, essa força misteriosa e imprevisível que domina a vontade, voltou a alterar-lhe o curso da sua vida e, mais uma vez, de uma forma repen­tina e inesperada.

Quando já não contava sair do triste Inverno que o oprimia, o sol conseguiu romper as espessas nuvens e disparou raios sobre a sua figura acabrunhada e ele sofreu, então, uma inexplicável metamorfose.

Aquela claridade descortinou-lhe, no horizonte da imaginação, belas paisa­gens, sorrisos, carícias, tudo envolvido numa estranha e insuspeita sensação de bem-estar, que se aproximava muito da forma como tinha outrora pensado a felicidade, com fortes pinceladas de amor e de liberdade.

Ele que se julgava racional e habituado à rotina da reflexão do mundo, que se aventurava amiúde na tentativa de entendimento do insólito passou, a partir daquele momento, a sentir-se como um sonâmbulo num mundo que já tinha esquecido, mas onde, com prazer, perdeu o discerni­mento do que era real e do que era sonho.

O sol, que raiou depois da tempestade e coloriu o pôr-do-sol foi o mesmo que lhe dissipou as tristezas e lhe fez surgir no espírito aquela metáfora do infinito, em perpétua transfiguração.

Reinaldo Ribeiro

15MAI2020

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